24 de dezembro de 2024
O ano está terminado...

Foto: Reprodução

COLUNA NORDESTINADOS A LERDezembro é, sem dúvidas, um dos períodos mais movimentados do ano. Marcado pela reflexão, esperança e comemoração, é um mês de encerramento de ciclos e de preparativos para o que estar por vir.

Em dezembro, celebro a escritora Clarice Lispector, nascida no dia 10, em Tchechelnik (Ucrânia), no ano de 1920. Um de seus grandes prazeres era alardear aos quatro cantos que não tinha nenhuma ligação com a Ucrânia – “Naquela terra eu literalmente nunca pisei: fui carregada de colo” – sua verdadeira pátria era o Brasil.

De família judaica, viu-se obrigada a emigrar em decorrência da Guerra Civil Russa e chegou ao Brasil em 1922, ano da Semana de Arte Moderna (SAM). Na concepção do pintor e um de seus idealizadores, Di Cavalcanti, tratou-se de “Uma semana de escândalos literários e artísticos capaz de meter os estribos na barriga da burguesia paulista”.

Infelizmente, nos últimos anos, os escândalos literários foram substituídos pelos escândalos da invasão e da depredação de golpistas às sedes dos Três Poderes em Brasília, das “bets” (apostas) e do plano esdrúxulo para matar Luís Inácio Lula da Silva (atual presidente), Geraldo Alckmin (vice-presidente) e Alexandre de Moraes (Ministro do Supremo Tribunal Federal).

É melhor voltarmos à Clarice. Naturalizou-se brasileira em 1943, e nunca mais voltou à sua terra.  E pensar que passados 100 anos da chegada da autora de A Paixão Segundo G.H (1964), em 2022, a Ucrânia novamente seria invadida pela Rússia deixando um rastro de destruição, refugiados e mortos.

Enquanto rogo ao Universo que essa guerra (e tantas outras) cesse, sigo desejando assistir “A Paixão segundo G.H” (2023), filme brasileiro dirigido por Luiz Fernando Carvalho, a partir do livro homônimo de Clarice Lispector.  O longa estreou na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo no ano passado, além de fazer parte da seleção oficial do Festival do Rio. Comercialmente, a estreia foi em abril desse ano, mas, estamos em dezembro e até agora em solo alencarino, nada. Por uma Arte para além do eixo Sul-Sudeste!

Minha expectativa em assistir ao filme é compreender como o cineasta Luiz Fernando Carvalho captou a essência de um romance-enigma, romance-labiríntico concebido a partir de um monólogo, que se dá pelo “jorro turbilhante e ininterrupto de linguagem”, e estampou na grande tela. Ele que já foi premiado por também filmar a obra Lavoura Arcaica (1975), do escritor Raduan Nassar, “uma revelação, dessas que marcam a história da nossa prosa narrativa”, na concepção do crítico Alfredo Bosi.

Parece-me que Luiz Fernando Carvalho é um leitor arguto e sensível da literatura brasileira e portuguesa. Sua trajetória televisiva e cinematográfica conta com: Os Maias (2001), de Eça de Queiroz ; Capitu (2005), de Machado de Assis; A Pedra do Reino (2007), de Ariano Suassuna; Dois Irmãos (2017), de Milton Hatoum; e a microssérie Correio Feminino (2013), inspirada em crônicas escritas por Clarice Lispector. Ou seja, sua relação com a autora de Laços de Família (1961), obra ganhadora do Prêmio Jabuti, já é antiga.

Quero ver a atuação e a beleza da atriz Maria Fernanda Cândido, eleita a mulher mais bonita do século nos anos 2000, escolhida para “ser” G.H., papel título do filme. A parceria entre o cineasta-leitor e a atriz também não é recente. Ele a escolheu para interpretar Capitu (2005), Afinal, o que querem as mulheres (2010), Correio Feminino (2013) e Dois Irmãos (2017).

Quero continuar conectada com a escrita pulsante e visceral de Clarice, que me ensinou que: “Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso. Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro”. Por isso, quando me dizem que sou uma taurina teimosa (será que é pleonasmo vicioso?), eu rebato veementemente amparada criadora de A Hora da Estrela (1977), de que não posso decepar determinadas características, sob pena de ficar vulnerável à uma sociedade patriarcalista e sexista.

Prenhe de defeitos, sigo pensando no turbilhão de sentimentos acarretados pelo último mês de 2024, me libertando de certas amarradas, deixando para traz roupas e sapatos desconfortáveis, na vã expectativa de não ser julgada, ou de ser compreendida pelas minhas ações. Afinal, parafraseando Clarice, me entender não é uma questão de inteligência, mas de sentir. Ou sente e convive, ou não sente e não convive.


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