13 de janeiro de 2025
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Presidente-executivo da Meta, Mark Zuckerberg, durante evento anual da companhia em Melo Park, no Estado norte-americano da Califórnia (Foto: REUTERS/Manuel Orbegozo)

A imprensa conservadora e a direita brasileira são bastante curiosas em suas avaliações sobre as ameaças à democracia.

Exibem uma compulsiva e pungente preocupação com grandes potências militares, econômicas e geopolíticas, como Cuba e Nicarágua, por exemplo, que, como se sabe, exercem forte e solerte influência em todo o mundo.

Outra pujante potência, no auge de seu poderio, a Venezuela, tornou-se, por sua parte, uma verdadeira obsessão. Pelo que lemos e ouvimos, Maduro não é só maior ditador da história da humanidade, mas também uma gravíssima ameaça ao Brasil e a toda a América Latina.

Mesmo com o governo brasileiro não tendo reconhecido o resultado das recentes eleições e esfriado muito as relações com Caracas, após o desapontamento com o descumprimento do Acordo de Barbados, a nossa mídia, furiosa com a posse de Maduro, exige condenação enérgica do Brasil, a qual implicaria o rompimento das relações diplomáticas com Caracas e a inviabilização definitiva de quaisquer negociações com o governo “de facto” do nosso estratégico vizinho. Querem que Lula repita o erro crasso de Bolsonaro, que agravou os problemas internos da Venezuela. As draconianas sanções e o isolamento só prejudicam a população mais pobre e frágil da Venezuela.

Mas a questão central aqui é que esses países, curiosamente todos de esquerda, não representam ameaça à democracia brasileira, embora existam muitos atritos atuais entre Manágua e Brasília e Caracas e Brasília. Tampouco representam real perigo para as democracias da nossa região e para o mundo.

Quem acha que Maduro tem condições de intervir em Essequibo, por exemplo, está extremamente mal-informado ou faz “análises fake”.

Mesmo potências reais, como China e Rússia, não representam nenhuma ameaça à nossa região. Só quem teve o cérebro congelado durante a primeira Guerra Fria acredita nos cânones da segunda Guerra Fria.

Se a nossa mídia conservadora procura verdadeiras ameaças à nossa região e às nossas democracias deveria olhar para outras direções. Mais especificamente, deveria mirar para o Norte do continente americano.

Lá, está prestes a tomar posse, na maior potência do planeta, um presidente que, além de não ter compromisso algum com democracia, tanto interna quanto externamente, é escancaradamente intervencionista e expansionista.

Segundo várias organizações estadunidenses comprometidas com a defesa da democracia, como a American Progress e a American Civil Liberties Union (ACLU), Trump, baseado no Projeto 2025, da organização de extrema-direita Heritage Foundation, intentará implantar um “presidencialismo imperial” nos EUA, uma espécie de “autocracia”, à semelhança de países como a Hungria, por exemplo.

Essa agenda antidemocrática está fundamentada na “teoria unitária do Executivo”. Essa filosofia de governo, visa a minar a separação tradicional de poderes e a conferir ao Presidente controle quase completo sobre a burocracia federal, incluindo agências independentes designadas pelo Congresso, ou ainda o DOJ e o FBI.

Nesse sentido, a agenda inclui a constituição de banco de dados de pessoal leal à extrema-direita para potencialmente substituir dezenas de milhares de servidores públicos federais; uma ferramenta educacional privada online para treiná-los; e um manual com planos de transição para cada agência federal. A Heritage Foundation pretende incluir 20.000 pessoas no banco de dados e já está levando seus esforços de recrutamento para todo o país.

A ideia básica é substituir a burocracia profissional por uma burocracia fortemente politizada.

Na realidade, Trump já está dedicado, há meses, a aparelhar toda a máquina do Estado com indivíduos que, por mais desqualificados que sejam, lhe dediquem fidelidade canina. Ele quer, inclusive, que todos os funcionários públicos prestem juramento ao MAGA.

Toda, ou praticamente toda a sua equipe, é composta por gente ligada ao MAGA e às suas propostas de extrema-direita. Quadros republicanos conservadores, porém moderados e racionais, estão sendo excluídos.

Como já escrevi, é uma Armada de Brancaleone de gente desqualificada, mas que terá imenso poder para cumprir as tarefas mais estapafúrdias e de legalidade duvidosa.

Ressalte-se que a maioria de extrema-direita da Suprema Corte dos EUA proferiu, recentemente, uma decisão que abalou a democracia estadunidense e que praticamente coloca o Presidente acima da lei, pela primeira vez na história americana. A Suprema Corte, com efeito, reescreveu a constituição americana ao decidir que o Presidente é amplamente imune a processos criminais e, portanto, não pode ser responsabilizado se violar leis, ao realizar “atos oficiais”.

Faz parte também dessa agenda reacionária procurar restringir ou dificultar o voto para grupos demográficos que tendem a votar nos Democratas. Trump quase que certamente rescindirá a Ordem Executiva 14019 do Presidente Biden sobre a Promoção do Acesso ao Voto. Essa Ordem Executiva inclui medidas destinadas a mitigar barreiras para indivíduos com deficiências e melhorar a educação do eleitor e as oportunidades de registro sob a Lei Nacional de Registro de Eleitores (NVRA). Isso incidiria, majoritariamente, sobre negros, latinos e pobres em geral.

Muito provavelmente, também Trump intentará um processo do que se chama nos EUA de gerrymandering. Trata-se de controverso método de desenhar ou redesenhar os distritos eleitorais, de forma a se obter vantagens para candidatos políticos de determinado perfil. Neste caso, haveria o redesenho dos distritos eleitorais para beneficiar candidatos conservadores.

A ideia de Trump, da Heritage Foundation e do MAGA é, portanto, a de tentar consolidar e eternizar uma opção política de extrema-direita nos EUA e de limitar fortemente o escopo da democracia estadunidense.

Pois bem, nesse diapasão, o controle da informação é fundamental.

Daí a centralidade do esforço em tornar a internet e as redes sociais um território livre, não para quaisquer manifestações, como alegam Musk e Zuckerberg, mas sim para as manifestações da extrema-direita, do discurso de ódio, das fake news etc.

Ao contrário do que se alega, os algoritmos das Big Techs e das redes sociais não são neutros. São manipuláveis e manipulados por grandes interesses econômicos e valores conservadores.

Como bem argumentou Robert McChesney, em sua obra How Capitalism is Turning The Internet Against Democracy (“Como o Capitalismo está Tornando a Internet Um Instrumento contra a Democracia”), o mundo da internet é principalmente dominado pelos interesses de grandes companhias, que efetivamente moldam a rede mundial de computadores. Com efeito, essas grandes companhias, com suas tecnologias proprietárias e seu imenso poder de produzir e controlar informações, transformam a internet numa grande plataforma de afirmação crescente de seus interesses próprios e particulares, em detrimento, muitas vezes, do interesse público.

Esse processo vem se intensificando, nos últimos anos, dado o poder crescente das Big Techs em monetizar, difundir e controlar as informações não somente dos cidadãos dos EUA, mas os de todo o mundo, com algumas exceções, como os da China, por exemplo.

Há de se considerar que, com o surgimento da mal chamada “inteligência artificial”, que não é inteligência e nem artificial, como bem observa o grande neurocientista Miguel Nicolelis, os algoritmos dessas empresas se tornaram bem mais sofisticados e eficazes. Sua capacidade de produzir dissonância cognitiva e de criar realidades paralelas aumentou exponencialmente.

Para se ter uma ideia do poder dessas Big Techs, pode-se mencionar que, em 2026, os “data centers” dessas empresas consumirão 1.000 terawatts de energia elétrica, o equivalente ao consumo de todo o Japão. E, para cada consulta individual média em inteligência artificial, gasta-se cerca de meio litro de água doce, pois a rede monumental de servidores precisa ser resfriada.

Em tal sentido, a aliança de Musk e de Zuckerberg com Trump e sua agenda de extrema-direita e antidemocrática é algo extremamente preocupante. Observe-se que outras Big Techs, como a Google, por exemplo, deverão se somar a esse, assim digamos, “esforço de contrainformação”.

É por isso que Daniel Ziblatt, professor da Universidade Harvard e coautor da obra “How Democracies Die” afirmou recentemente, ao Washington Post, que: “Já estávamos, nos últimos 10 anos, em um processo de decadência democrática, mas esta eleição de Trump só vai acelerar esse declínio.”

Trump e as Big Techs pretendem criar uma espécie de “super-Goebbels” extremamente sofisticado e danoso à democracia.

Note-se que esse não é um empreendimento nacional, algo restrito aos EUA.

É, na realidade, um esforço mundial, que envolve articulação de toda a extrema-direita internacional, inclusive a brasileira.

Haverá, assim, muita pressão sobre nossa região e sobre a democracia do Brasil. Pressão gerada por forças internas, em forte articulação internacional. Uma espécie de 8 de janeiro digital, com o objetivo de atingir nossa democracia e nossa soberania.

A designação de Marco Rubio para Secretário de Estado é um péssimo sinal e já há até um pedido da Subcomissão Global de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados dos EUA à OEA, requerendo informações sobre o suposto fato de o Brasil “desrespeitar a liberdade de expressão e impor censura”. No governo Trump, isso poderá se traduzir em sanções efetivas contra nossas instituições democráticas.

No plano externo, Trump não quer aliados, quer súditos.

Por isso, da próxima vez que Trump falar em tomar a Groenlândia ou o Canal Panamá é bom não rir ou desconsiderar como mero delírio megalomaníaco, pois o verdadeiro plano é bem mais ambicioso: trata-se de tomar de assalto as democracias do mundo.

É ameaça real e ampla que requererá a reação de todos.

Publicado no Brasil 247.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

 

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