22 de novembro de 2024
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A vida de pais atípicos pode ser claramente dividida entre o “antes” e o “depois” do diagnóstico de um filho atípico, aquele que possui alguma deficiência ou transtorno do neurodesenvolvimento. Pessoas vêm, pessoas vão. Projetos são reformulados, alguns abandonados, e outros recém-criados. É uma batalha constante para garantir que o filho tenha acesso às terapias necessárias para seu desenvolvimento, enquanto a “janela de oportunidade”, que a neurociência tanto fala, ainda está aberta.

A luta é árdua porque os obstáculos são imensos e, muitas vezes, quem mais sofre é a população mais vulnerável. Aqueles que dependem do sistema público de saúde, e que não têm condições de pagar por tratamentos particulares. Mas o mais devastador é o gestor público, que, se não ignora a realidade, muitas vezes prefere fechar os olhos para ela. Em situações mais infelizes, podemos encontrar um gestor que faz ambos: ignora e desconsidera.

A recente fala do prefeito de Juazeiro do Norte, ao sugerir que algumas mães “forçam” diagnósticos de deficiência em seus filhos, traz à tona a perpetuação de estigmas perigosos e prejudiciais, bem como desvia o foco de um problema que é de sua responsabilidade e muito mais urgente: a falta de políticas públicas efetivas para garantir o acesso a terapias, serviços especializados e inclusão de verdade.

A fiscalização para evitar fraudes nos benefícios sociais é necessária, e isso já ocorre por meio de uma série de protocolos estabelecidos no campo da Previdência Social. Contudo, essa fiscalização não é atribuição da prefeitura, e não deve ser usada como desculpa para desviar a atenção das necessidades reais das famílias que dependem de uma gestão comprometida com a inclusão.

Enquanto o prefeito gasta tempo acusando mães — mencionando especificamente mulheres -, a cidade enfrenta sérios desafios em relação à prestação de serviços que são, de fato, responsabilidade da gestão municipal, como o atendimento terapêutico e o suporte escolar para crianças com deficiência.

A verdadeira prioridade deveria ser garantir que todas as crianças, especialmente as atípicas, tenham acesso a terapias adequadas, inclusão escolar e as adaptações que precisam para se desenvolver. Esses são direitos previstos na Constituição Federal e não devem ser restringidos por falas ou suspeitas generalizadas.

Como mãe de uma criança com autismo, que há muito tempo espera por tratamentos e intervenções significativas em sua vida, confesso que estou cansada de esperar. Já passamos  quase quatro anos de invisibilidade e silenciamento das famílias atípicas, nesta atual gestão. Não podemos continuar testando modelos que já provaram não funcionar. Não podemos mais aceitar uma liderança que ignora nossas lutas e perpetua a exclusão. É urgente uma mudança real, uma que reconheça o valor de cada vida e que trabalhe para garantir que todos tenham a chance de alcançar seu pleno potencial. O cenário atual urge por uma gestão que se incomode com a realidade vigente, porque uma cultura inclusiva é justamente isso: ficar desconfortável em estar desconfortável.

Por Sarita Bezerra

Mãe atípica e pós-graduada em educação inclusiva e especial

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