Primeiro romance da escritora Maria Valéria Rezende, O voo da guará vermelha, publicado pela primeira vez em 2005, foi finalista do prêmio Zaffari & Bourbon no ano de 2007 e traduzido para o espanhol e para o francês. É uma daquelas obras que cativam o leitor no primeiro instante da leitura: “Das fomes e das vontades do corpo há muitos jeitos de se cuidar…”. Uma delas é a leitura; a outra, a escrita.
Trata-se de uma narrativa cuja essência é a poeticidade e a musicalidade. São dezessete capítulos intitulado por cores: “cinzento e encarnado”, “verde e negro”, “roxo e branco, “ocre e rosa”… Cada uma das cores assume um significado concreto – amarelo, gema do ovo; verde, vestido – e um significado abstrato – branco e cinzento – falta de vida das personagens.
Diante de tantos encontros e desencontros da existência humana, O voo da guará vermelha nos traz uma história de amor por meio do cuidado, da troca de experiências, entre dois sujeitos invisibilizados e excluídos pela sociedade: Irene, uma prostituta que contraiu o vírus da aids, sem esperança no amanhã, que sabe ler e escrever; Rosálio, um homem órfão de pai e de mãe, de coração generoso, cujo maior sonho é aprender a ler e a escrever.
Rosálio, homem que sente “fome de palavras, de sentimentos e de gentes”. Irene, mulher cansada, que se esforça para não pensar em nada, principalmente na criança (filho) nos “braços encarguilhados da velha” e no médico “falando, falando” no resultado do exame – soropositiva -, no tempo que passa rápido, “quase todo dia já é segunda-feira”, no remédio prometido para ajudar na sua doença, na assistente social lhe dizendo: “deixe essa vida”. Irene achou engraçado essa “recomendação”. Ela não tinha amor por ela, mas responsabilidade com o menino (filho) e com uma velha, da qual não temos maiores informações.
A vida de Irene sempre foi difícil, e com a doença, se tornou ainda mais, porque “muitos homens não querem nada com camisinha”. Diferentemente de sua amiga Anginha, que queria “passar a doença para o mundo todo”. Enquanto uma quer proteger a sociedade daquele mal; a outra, quer devolver na mesma moeda o mal que lhe causaram. Eis a diferença entre as duas.
Cada capítulo da obra é uma exploração de cores e um convite a se pensar o amor para além do aspecto carnal em uma sociedade crítica, desapaixonada e punitiva. Especialmente, é um chamado a escutar a história do outro, assim como fez Irene. Cada narrativa contada por Rosálio, Irene transformou em texto para que não se perdesse na finitude da memória. Cada palavra, falada e registrada, transmutou no sentimento de esperança para Irene: “conta para eu sonhar”, ela pedia.
Escutar – Ler – Escrever. Tríade que devolveu a vida a essas duas personagens: tão diferentes e tão iguais – na solidão, na angústia, na exclusão, no desejo de falar e de ser ouvido, na vontade de corpos e de alma.
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