21 de novembro de 2024
Semanas pesadas | Coluna do Nordestinados a Ler, Por Luciana Bessa

Semanas pesadas | Coluna do Nordestinados a Ler, Por Luciana Bessa

COLUNA NORDESTINADOS A LER

POR LUCIANA BESSA

Semanas pesadas

Semana passada, precisei me submeter a uma cirurgia no olho direito para a retirada de um pterígio. O procedimento é simples, a recuperação nem tanto. É preciso passar pelo menos quinze dias sem praticar uma das atividades que mais gosto: a leitura.

Recentemente, inclusive, fiz uma live(@metanoiaeduca) para discutir a importância da leitura acadêmica e não acadêmica. Falar de leitura em pleno século XXI, período do domínio das novas tecnologias/mídias sociais, é para mim, curioso e assustador.

Quem decide adentrar na jornada de um curso superior, já deveria estar ciente das inúmeras leituras que fará nos próximos quatro ou cinco anos. Isso sem levar em consideração que nem só de leituras se faz um bom profissional.

Não é possível optar por pelo Curso de Letras e não dialogar com: José de Alencar, Machado de Assis, Aluísio de Azevedo, Olavo Bilac, Clarice Lispector, Lygia Fagundes Telles, etc. Claro que ainda não incluí aqui os livros de caráter teórico (Antonio Candido, Alceu Amoroso Lima, José Veríssimo, Sílvio Romero, etc) e os escritores não brasileiros (Gabriel García Márquez, Júlio Cortázar, Pablo Neruda, Gabriela Mistral, etc). E no Direito: quais são as leituras imprescindíveis para formar um bom jurista? E na Medicina? E na Economia? E nas Ciências Sociais? E no Jornalismo?

No entanto, não são poucas as vezes que escuto os estudantes falarem: “É muito texto para ler”, “O texto é muito longo”, “O professor já deixou outro texto na xérox”, “A professora quer um seminário do livro completo”, “Mas estes textos são muito difíceis”. Eu diria que são frases curiosas para quem decidiu percorrer o mundo acadêmico. Afinal, quem está na chuva não é para se molhar?

O assustador mesmo é saber que em muitas escolas (públicas e privadas), os estudantes ganham ponto na média pela leitura de uma obra literária. Ou que o aluno indisciplinado é convidado a se retirar de sala de aula e ir para a biblioteca ler (em alguns casos não tem o direito de escolher). Ou que Machado de Assis – um dos meus escritores preferidos – é leitura obrigatória no sétimo/oitavo em que o adolescente ainda não adquiriu uma “maturidade literária”.

Carlos Drummond de Andrade, o poeta gauche da Literatura Brasileira, foi um deles. Em 1925, ao ser obrigado a ler Machado, escreveu um texto chamado “Sobre Tradição em Literatura”. No arroubo da juventude, em que nossas opiniões ainda estão em fase de maturação, o então aspirante a poeta opinou, agressivamente, que a obra do escritor Machado de Assis, considerado naquele instante pela crítica especializada um dos maiores romancistas brasileiros “tem sido o cipoal em que se enveredou e perdeu mais de uma poderosa individualidade, seduzida pela sutileza, pela perversidade profunda e ardilosa deste romancista tão curioso e, ao cabo, tão monótono”. Na visão do jovem efebo, Machado era um escritor egocêntrico, tedioso e difícil de ser lido. Quando conto essa história, os estudantes dizem: “professora, se nem Drummond gostava de Machado, imagine eu”.

Um dos escritores prediletos do poeta Drummond era o prosador Machado de Assis. A questão aqui é outra: solicitar a leitura dos clássicos para jovens sem bagagem cultural. O curioso/assustador é que muitos professores exigem a leitura dos clássicos, mas eles mesmos ainda não leram.

A ciência é até capaz de criar humanos em laboratório, mas a educação, pelo menos a brasileira, caminha a passos lentos ao reproduzir uma ideologia dominante, em que não é pensada para dar voz ao sujeito que todos os dias entra pelos portões da escola em busca não só de conhecimento, mas de experiências que vão transformar suas vidas.

É preciso admitir: os clássicos são livros difíceis de serem lidos, mas são extraordinários. Nossa juventude, em geral, não dedica seu tempo para esse tipo de leitura. Não adianta indicar livros se a escola não escuta o aluno-leitor, não sabe seu gosto literário, não permite que ele seja o protagonista desse processo.

Enquanto não acabar com a “educação bancária” continuaremos com o mesmo quadro: estudantes sufocados de trabalhos, fórmulas de física, química, matemática e tabelas periódicas para decorar, livros paradidáticos para fazerem prova.

Eu sigo na luta por uma educação crítica e reflexiva e, claro, por semanas mais leves!

Confira a coluna no jornal Leia Sempre Brasil!