28 de novembro de 2024

COLUNA NORDESTINADOS A LER

POR LUCIANA BESSA

Não se pode falar em Educação, sem falar no Livro Infantil, essa importante ferramenta capaz de despertar paixões e consciências, já que ontem, 18 de abril, foi o dia reservado para comemorá-lo, visto que nessa mesma data, no ano de 1882, nascia o escritor paulista, Monteiro Lobato, pioneiro da Literatura Infantil Brasileira.

Monteiro Lobato foi o criador da boneca Emília, que na minha infância, eu desejava ser como ela. Emília é aquela que se sente desafiada pelas pedras no meio do caminho e as enfrenta.

Emília foi feita por Tia Anastácia, outra emblemática personagem lobatiana, para ser dada a Narizinho, menina que adorava comer jabuticaba do pé e inventar reinações. Em 1931, nasceria a obra Reinações de Narizinho.

Emília se tornará a melhor amiga de Narizinho, porém, é preciso dizer que Emília nasceu muda. Foi o Dr. Caramujo quem lhe deu uma “pílula falante” e a boneca começou a falar muito: “Estou com um horrível gosto de sapo na boca”.

Emília falava tanto que foi preciso pedir ao médico uma pílula mais fraquinha, mas o Dr. Caramujo explicou que isso não seria possível, pois aquilo era “fala recolhida”, que não poderia mais ficar “entalada”.

Simbolicamente, Emília representa o gênero feminino, que ao longo da História foi invisibilizado e silenciado, por uma cultura patriarcalista e machista, que afeta não só as mulheres, mas a sociedade como um todo, uma vez que contribui para os altos índices de violência, homicídio, ansiedade, depressão e medo, capaz de “esterilizar os abraços”.

Quando, hoje, escuto que “mulher fala demais”, eu recordo todos os séculos em que fomos impedidas de ler, de escrever, de trabalhar fora, de expressar nossas opiniões, de frequentar determinados espaços, casar sem amor, contrair doenças transmitidas pelos maridos… eu penso: Que bom! Lembro-me, inclusive, do fenômeno Mainsplaing, o fato de a mulher está falando e ser interrompida pelo homem, mesmo que ela seja especialista no assunto. Falar é uma forma de se colocar no mundo, de existir e de resistir às intempéries da vida.

Em pleno século XXI, mesmo a Constituição Brasileira afirmando em seu Art. 5º que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza…”, na prática, são os homens que continuam escrevendo as grandes narrativas políticas, econômicas e literárias.

Mas estávamos falando sobre o quê? O livro infantil e o pioneirismo de Monteiro Lobato. É verdade que o autor de O Sítio do Pica Pau Amarelo (1920-1947) está cancelado em nossos tempos, acusado de racismo. Particularmente, sou contra a política do cancelamento, porque se aprende muito mais quando o debate é promovido do que quando se cala uma voz por meio da força.

Recentemente quiseram cancelar O Avesso da Pele (2020), Prêmio Jabuti em 2021, do escritor Jeferson Tenório, alegando que sua obra continha um “vocabulário de tão baixo nível”. Li o livro duas vezes e, na segunda vez, ao procurar palavras de baixo calão não as achei, mas encontrei o que já sabia: um autor negro afirmando categoricamente que o Brasil é um país racista, mas que ao ser chamado racista, procura calar quem o disse.

Eu sei que Emília foi uma boneca que transitou pela esperteza, malcriação, inteligência e teimosia. Dizia o que pensava, aprontava todas e nada temia. Evoluiu e virou gente. Será que o leitor nunca conheceu uma Emília?