*Matéria publicada originalmente na edição nº 100 da Revista Fórum Semanal
Os últimos desdobramentos das investigações da Polícia Federal (PF), no âmbito do inquérito do Supremo Tribunal Federal (STF) que apura uma tentativa de golpe de Estado no Brasil, apontam para o fato de que a prisão do ex-presidente Jair Bolsonaro é apenas uma questão de tempo.
A recente operação de busca e apreensão da PF contra Bolsonaro e aliados reuniu ainda mais provas e evidências de que o ex-presidente, de fato, articulou, junto a uma organização criminosa, uma intentona golpista no país que, felizmente, não obteve sucesso. O próprio ex-mandatário se deu conta de que sua condenação é iminente e, num ato de desespero, convocou uma manifestação, realizada no dia 25 de fevereiro na avenida Paulista, em São Paulo, para “se defender”.
Nesta manifestação, Bolsonaro, cada vez mais encurralado, deixou evidente qual a nova tônica de seu discurso: a anistia para os golpistas do 8 de janeiro que, naturalmente, poderia beneficiá-lo. Ao discursar, o ex-presidente praticamente fez uma confissão de culpa ao confirmar a existência de uma “minuta golpista” e, de forma confusa, declarou que o documento não seria utilizado para um golpe, mas sim para se decretar um Estado de Sítio depois das eleições em que fora derrotado e o atual presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, saíra vitorioso.
Foi então que o ex-mandatário fez o pedido de anistia para, hipoteticamente, evitar sua própria prisão, a dos bolsonaristas que participaram da invasão às sedes dos Três Poderes e de aliados que integrariam o que a PF chama de organização criminosa que articulou golpe de Estado.
“Quero passar uma borracha. Já tivemos uma anistia no Brasil. Peço outra. E que as pessoas que atacaram os Três Poderes paguem pelo que fizeram (…) Já anistiamos no passado quem fez barbaridade no Brasil. Agora pedimos a todos os deputados e senadores um projeto de anistia.”
Apesar do apelo desesperado, a maior parte da população brasileira vem repetindo em alto e bom tom: “sem anistia”. Pesquisa da Confederação Nacional do Transporte (CNT) divulgada em 23 de janeiro materializa esse clamor em números: para a grande maioria, 81%, os envolvidos nos atos golpistas devem ser punidos. Somente 14,8% acreditam que aqueles que participaram da tentativa de golpe devam ser perdoados.
Levantamento mais recente, da Genial/Quaest, feito logo após a manifestação de Bolsonaro na avenida Paulista, mensurou a opinião da população sobre punição ao próprio ex-presidente: a maioria, 50%, avalia ser justo que o ex-mandatário seja preso, enquanto 39% consideram uma eventual prisão injusta.
Bolsonaro apela até para Lula, que diz sonoro “não”
Dois dias após a manifestação desesperada em São Paulo, Jair Bolsonaro concedeu entrevista ao site de extrema direita Revista Oeste e implorou ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva um gesto pela anistia aos golpistas.
“No fechamento [do ato na avenida Paulista], fui para cima do apaziguamento, com anistia, e isso precisa vir do lado de lá. Eu sei que o Parlamento é o ente que decide essa questão, mas, partindo do Executivo seria muito bem-vindo”, declarou Bolsonaro.
Lula, então, respondeu ao ex-presidente em entrevista ao jornalista Kennedy Alencar. O chefe do Executivo saiu em defesa do direito à presunção de inocência que ele próprio não teve no passado, mas mandou um recado duro ao investigado pela PF.
“Primeiro você vai ser julgado, você cometeu muita barbaridade. Você vai ser julgado, apreciado. Vai ter seu advogado de defesa. Eu só quero que você tenha a presunção de inocência que eu não tive. Quero que você tenha pra você dizer o que fez e o que não fez. É um direito seu, um direito da democracia. E é isso que eu garanto para o meu melhor amigo e para o meu pior inimigo: o direito de defesa pleno”, iniciou Lula.
Na sequência, o mandatário olhou diretamente para a câmera e indagou a Bolsonaro sobre o apelo pela anistia.
“Está pedindo anistia? Você quer apagar a bobagem que fez? A bobagem é que ele se acovardou, pensou o golpe, não teve coragem. Foi embora para os EUA com antecedência, achando que ia acontecer [o golpe], que a sociedade iria sair todo mundo apavorado e ele ia voltar ungido pelas massas. E não foi isso o que aconteceu. O que aconteceu é que as instituições assumiram a responsabilidade pela democracia e você agora está em um processo de investigação”, disparou.
Lula não parou por aí. Além de deixar claro que não fará qualquer gesto pela anistia, ainda chamou Bolsonaro de covarde.
“Eu sei que o cara quando é covarde, não fala. Quando o cara é covarde e vai prestar depoimento o advogado fala: ‘não fala nada’. E eu sei que ele foi lá e ficou quietinho, com a boca fechada. Porque ele fala bobagem o dia inteiro, quando era presidente era de manhã, de tarde, de noite. Agora no processo, ele chega todo fino, sem querer falar. Então, é isso que vai acontecer, vai ser investigado, prestar depoimento e um belo dia terá o julgamento. Se for inocente, será inocente”, finalizou.
Anistia para golpistas é tema de projetos no Congresso Nacional
Jair Bolsonaro quer anistia de qualquer maneira. Apelou não só para Lula, mas fez o mesmo pedido a deputados e senadores.
Atualmente, há 7 propostas no Congresso Nacional que pedem anistia para os golpistas com o intuito de beneficiar não só aqueles que participaram da invasão às sedes dos Três Poderes em 8 de janeiro, bem como o próprio ex-presidente e outros considerados “mentores intelectuais” do levante antidemocrático. Todas elas foram apresentadas por bolsonaristas.
Uma dessas propostas é o Projeto de Lei (PL) nº 5064/2023, protocolado em outubro de 2023 pelo senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS), que foi o vice-presidente de Bolsonaro. O PL, inclusive, foi colocado em consulta pública no site do Senado. Antes de ser levado ao plenário, entretanto, deverá ser apreciado pela Comissão de Defesa da Democracia, presidida pela senadora Eliziane Gama (PSD-MA).
Eliziane, por sua vez, designou o senador Humberto Costa (PT-PE) para ser o relator da proposta de anistia apresentada por Mourão. Ainda não há data para o relatório ser apresentado.
Em entrevista exclusiva à Fórum, Humberto Costa disse que irá analisar o projeto do ex-vice-presidente com cautela, mas já adiantou que se coloca frontalmente contra a concessão de anistia aos envolvidos com os atos golpistas de 8 de janeiro e com a articulação por um golpe de Estado.
“Eu vou me pautar, no meu relatório, em analisar se o que ele propõe inclui-se ou não dentro do que a legislação prevê. Eu tendo a compreender que as pessoas que estão respondendo a esses processos cometeram atos de extrema gravidade que estão bem caracterizados, seja na própria lei de defesa do Estado Democrático de Direito como também no Código Penal. A princípio, eu não vejo justificativa para que haja uma anistia generalizada, até porque muitos processos nem foram concluídos ainda”, diz Costa.
Segundo o senador, o Brasil esteve próximo da instauração de uma “ditadura militar” caso o golpe obtivesse êxito e, por isso, defende que todos que participaram desta articulação golpista sejam punidos de forma exemplar, até para evitar que situações como essa venham a se repetir no Brasil.
“Isso é muito grave. Os processos que existem hoje são, acima de tudo, exemplares para que aquele que defende uma autocracia, uma ditadura no Brasil, possa ter consciência do que são os limites que não podem ser passados”, pontua.
Sobre o fato de o próprio Jair Bolsonaro ter pedido anistia para si mesmo em discurso na manifestação de 25 de fevereiro, Humberto Costa considera que o ex-presidente fez uma confissão.
“Ninguém pede anistia se não tem a convicção de que praticou o crime. Então, eu tenho certeza, convicção absoluta, que o ex-presidente, naquele ato do domingo, fez uma confissão. Quando ele admitiu a existência de desenhos, de decretos, de decretação de Estado de sítio, de Estado de Emergência, então, eu creio que, quando ele propõe a si próprio uma anistia, ele estabelece o reconhecimento de ter cometido um crime que ele considera ser de baixa gravidade, mas que, na verdade, ameaçou o que nós temos de mais importante na sociedade, que é a democracia.”
O que dizem outras lideranças no Congresso
Além de Humberto Costa e do próprio presidente Lula, lideranças governistas no Congresso Nacional vêm fazendo questão de endossar o coro do “sem anistia” para Jair Bolsonaro e todos os golpistas. Confira a seguir.
José Guimarães (PT-CE), líder do governo na Câmara dos Deputados
“Não podemos aceitar a naturalização dos atos golpistas, de quem atentou contra a nossa democracia. Essa naturalização afronta o Estado Democrático de Direito e a democracia. Não tem espaço para anistiar quem cometeu crimes contra a nossa nação. Os que patrocinaram a barbárie precisam ser punidos com todo o rigor da nossa Constituição Federal. Quem participou desses atos, incluindo os governadores, se colocam na condição de cúmplices da tentativa de golpe”.
Randolfe Rodrigues (sem partido), líder do governo no Congresso Nacional
“Bolsonaro pede autoanistia. E quem pede anistia é porque cometeu crime, nós temos agora confissão de crime. O Congresso Nacional anistiar aqueles que há 1 ano e três meses depredaram esse espaço que nós estamos, ofenderam os pilares da democracia brasileira, seria vilipendiar sua própria história (…) Chance zero da anistia passar no Congresso”.
Odair Cunha (PT-MG), líder da bancada petista na Câmara
“Investigado por ter estimulado e forjado os atos golpistas de 8 de janeiro de 2023, Bolsonaro agora tenta posar de vítima, mas assina atestado de culpa ao defender anistia para si mesmo. Já antevê que poderá ser condenado e preso como idealizador e principal beneficiário da tentativa golpista. Quer posar de bom moço, mas seu histórico é conhecido por todos: não tem compromisso democrático, defende a tortura e é uma ameaça permanente à democracia e às instituições. Sem anistia!”.
Gleisi Hoffmann (PT-PR), presidente nacional do PT
“Depois que Bolsonaro pediu anistia até pro Lula, surgiram mais e mais projetos de lei no Congresso Nacional para aliviar para os golpistas. Onde já se viu isso? Não se pode compactuar com qualquer tentativa nesse sentido e espero que o parlamento nem cogite essa vergonha. Bolsonaro e cia são investigados por tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito e vão ter que responder por seus crimes. Quem atentou contra a Democracia não pode ficar impune”.
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