Coluna NORDESTINADOS A LER
POR LUCIANA BESSA
Jornal Leia Sempre Brasil
Edição nº 159 – 07.04.2023
Eros: um deus de sete faces
Em prosa ou em verso, o amor é o tema mais vasto da Literatura, seja ele platônico, aristotélico ou erótico. O erotismo é intrínseco ao humano, motivo pelo qual acreditamos que ele esteja na religião, nos sistemas de crenças e, claro, nas artes.
Na pintura, podemos apreciar o erotismo em “O nascimento de vênus”, de Michelangelo, ou na escultura de Auguste Rodin, “O Beijo”. Na Literatura, o ser erótico foi cantado em verso por Giovanni Boccaccio em Decamerão, e depois, pelo Marquês de Sade, em Contos Libertinos. Já na prosa, seja na literatura estrangeira, Lolita (1955), de Vladimir Nabokok, Delta de Vênus (1978), de Anais Nin, ou na literatura brasileira, com A casa dos budas ditosos (1999), de João Ubaldo Ribeiro, ou Gabriela, Cravo e Canela (1958), de Jorge Amado, o erotismo se presentifica.
É bom destacar que existe uma oposição entre o ‘amor erótico’, caracterizado pela paixão, pelo desejo sexual, carnal e sensual, e o ‘amor não erótico’, caracterizado pelo sentimento altruísta, pela pureza e pelo carinho. Embora haja essa separação, ambos os amores se completam, pois os relacionamentos estão imbricados do erótico e do não erótico.
Falar sobre o Erotismo pressupõe conhecermos Eros – termo usado pelos Gregos para se referir à paixão aplicada ao amor e ao desejo. Em O Banquete, de Platão, texto em forma de diálogo, ou melhor dizendo, há um duelo entre sete personagens acerca de Eros, o deus do amor, descrito de forma multifacetada.
A primeira personagem é Fedro. Para ele, Eros é um dos deuses mais antigos surgido depois do Caos na terra. O fato de ser antigo traz diversas fontes do bem e de tudo que o ser humano possa vir a conquistar. Dignidade e riqueza, por exemplo, não se compara à beleza que Eros é capaz de exalar, além do poder de insuflar os homens a grandes feitos. Só quem ama, verdadeiramente, é capaz de morrer pelo outro.
Pausânia, segunda personagem, não concorda com o elogio a Eros, proferida por Fedro, pois alega que este é dual: Eros Celeste e Eros Vulgar. Em sua visão, qualquer ação não pode ser considerada boa ou ruim. Para que uma ação seja boa alega que a mesma deva estar fundamentada na justiça. Da mesma forma deve ser com o amor. Eros Celeste está para justiça e a beleza, assim como Eros Vulgar está para a cobiça, a iniquidade e os caprichos da matéria.
Em seguida, Erixímaco, educado nas artes médicas, completa o discurso de Pausânias dizendo que Eros além de habitar nas almas dos homens, habita outros seres como os animais e as plantas. Em sua concepção, a natureza orgânica é composta de dois Eros: saúde e doença. O primeiro reside no corpo são; o segundo, no corpo enfermo. Tal como a medicina que precisa lidar com a dualidade saúde/doença, Eros deve procurar o equilíbrio entre as necessidades físicas e as necessidades espirituais.
Já Aristófanes enfatiza o total desconhecimento por parte dos homens do poder exalado por Eros. Conhecer esse poder pressupõe conhecer a história da natureza humana. Assim, ele passa a explanar a teoria dos andróginos, mito da nossa unidade primitiva e posterior mutilação. Para Aristófanes, havia três gêneros humanos, que eram os duplos em si mesmos: o gênero masculino masculino masculino, o gênero feminino feminino feminino e o gênero masculino feminino masculino, o qual era chamado de Andrógino.
A quinta personagem, Agaton, acredita que seus antecessores enalteceram Eros em demasia, pois para se louvar quem quer que seja, é primordial conhecê-lo primeiro para depois elogiá-lo. O concebe como um deus jovem e feliz, de aparência simétrica cujas virtudes são a temperança e a justiça. Não recorre à força e à violência não o atinge. Sua habilidade maior é a criação. Eros é criador (poietés) e mestre dos criadores (artistas).
Em seguida, Sócrates afirma que o amor é algo desejado, mas que só pode ser desejado quando lhe falta e não quando possui, pois não se deseja aquilo que não se tem. O “objeto” do amor sempre está ausente, mas sempre é solicitado. Em suma, sempre que pensamos tê-lo atingido, ele nos escapa. Por fim, Alcibíades ao invés de discorrer sobre Eros, faz um elogio a Sócrates.
Sete personagens, sete concepções diferenciadas sobre esse deus. Afinal, o que é Eros? Um anjo entre o divino e o humano? O mal disfarçado de uma rara beleza? Por que todos desejam senti-lo?
A própria Bíblia em Coríntios traz essa resposta: uma vida sem amor de nada valerá. Entre a fé, a esperança e o amor; o maior sentimento é o amor. De modo geral, estamos diante de uma força avassaladora da qual todos nós não podemos escapar, que vem e que vai a seu bel-prazer dos corações humanos.