
Ilustração: LSB (produzida com apoio de IA)
Sou limitada musicalmente. Sou daquelas que gosto de um estilo, de uma intérprete e fico presa por vontade naquela galáxia musical. Tem coisa melhor do que consumir tudo (ou quase tudo) do que as cantoras que ficam ao lado esquerdo do peito produzem?
Quando sou perguntada sobre as vozes que me transpassam, já tenho uma pequena lista na ponta da língua: Maria Bethânia Marisa Monte, Adriana Calcanhoto, Vanessa da Mata, Cássia Eller, Paula Toller, etc.
Por isso, quando fui indagada se iria ao show da Flaira Ferro, vi-me perdida no meio do Coliseu vivendo uma encenação de batalhas não baseadas na mitologia clássica, mas no universo musical.
Flaira Ferro? Dizem que se você responde uma pergunta com outra pergunta é por que está precisando ganhar tempo para encontrar a resposta correta dentro do seu HD interno.
Depois de muito procurar, não a encontrei. Eis que precisei confessar a minha interlocutora: “não conheço Flaira Ferro”. Ao que ela me retruca: “não conhece, mas escuta”. E colocou o som em um volume mais alto e pude escutar:
(…) O ser humano é esquisito
Armadilha de si mesmo
Fala de amor bonito
E aponta o erro alheio
Vim ao mundo em um só corpo
Esse de um metro e sessenta
Devo a ele estar atenta
Não posso mudar o outro
Eu quero me curar de mim
Quero me curar de mim
Quero me curar de mim (…)
Que lindo!… foi a única expressão que consegui verbalizar depois de ser desorganizada internamente ao dar à devida atenção a música-poema – “Me curar de mim” – forjada na sensibilidade e na força do ser e do estar no mundo.
Há alguns anos tenho caminhado em direção de mim, na tentativa de saber quem realmente sou, e não quem a sociedade gostaria que eu fosse. A verdade é que é bem mais fácil ser quem o outro quer que você seja. Mas isso é tema para um outro texto.
Voltemos à Flaira Ferro, essa recifense nascida no carnaval da década de noventa, cuja infância foi permeada pela música e pela dança pernambucana. Estamos falando de uma multiartista que encontrou na voz e no corpo a sua forma de expressão e de resistência ante à desordem da contemporaneidade.
Seu primeiro espetáculo data de 2011 – “O frevo é teu?”- dirigido por Bella Maia. Com ele, foi agraciada com o prêmio de “melhor bailarina” no 17º festival Janeiro de Grandes Espetáculos.
No ano seguinte, trocou Recife por São Paulo, claro que apenas geograficamente, para trabalhar no Instituto Brincante, cujo objetivo é “unir o processo artístico ao pedagógico em torno da cultura popular brasileira”, fundado por Rosane Almeida e Antônio Nóbrega.
Em 2013, desenvolveu a pesquisa artística “O Espaço do Passo”, ao lado de Valéria Vicente, dançarina e pesquisadora. Em 2014, uniu música e dança para compor o espetáculo improvisação “Frevo de Casa”, tendo como parceiros: o maestro Spok, o percussionista Lucas dos Prazeres e a dançarina Valéria Vicente.
Neste mesmo ano, lançou seu primeiro projeto musical “Cordões Umbilicais” composto por oito faixas, sendo que a segunda, “Me curar de mim”, citada no início dessa minha experiência de abertura musical, tem me possibilitado fazer uma faxina para detectar tudo aquilo “Que adoece na rotina”.
“A limitação é um dos meus vilões”.
Flaira Ferro tem me ensinado que: “A vida não para de dar sinais” (A novidade ao lado); “mas se eu não tiver coragem de enfrentar os meus defeitos / de que forma, de que jeito eu vou me curar de mim” (Me curar de mim); “Mundo, continente, país, estado / cidade, bairro, rua casa, eu / Somos tantos mundos” (Cordões Umbilicais), etc.
Sabendo que habita em mim vários “eus”, em maio de 2025, compareci ao show de Flaira Ferro, no Centro Cultural Banco do Nordeste em Juazeiro do Norte. Que nada possa me limitar: a começar por mim mesma.