Em Washington, numa das ruas que conduz à principal prisão da cidade, um local foi rebatizado. Trata-se do “Freedom Corner”, ou Esquina da Liberdade. Ali, a cada noite, os parentes dos manifestantes presos por conta da invasão do Capitólio em 6 de janeiro de 2021 fazem uma vigília permanente. Acusam o governo Biden de promover uma perseguição e, por anos, estiveram convencidos de que viviam em uma ditadura.
Na noite em que Donald Trump venceu a eleição, em 2024, o Freedom Corner foi tomado por uma festa, com direito à champanhe. As famílias, ali, sabiam que a vitória da extrema direita significava que os prisioneiros seriam perdoados.
O republicano passou a chama-los de “reféns” e rebatizou a data de “o dia do amor”. Nas redes sociais, aquelas pessoas também foram rebatizadas. São, agora, “prisioneiros políticos”.
Mas quando Trump assumir o governo, em dez dias, ele não vai apenas perdoar os manifestantes. Ele vai promover uma higienização da data e rescrever seu significado.
O que mais me preocupa é que a história não terminará ali. O objetivo do perdão não é o de encerrar o caso e pacificar o país. Ao declarar que não houve crime, os autores dos ataques invertem a história e, de criminosos, passam a ser vítimas de uma suposta injustiça do estado.
Não por acaso, Trump e seus aliados já insinuam que, depois do perdão aos criminosos, processos serão lançados contra personalidades que lideraram as investigações sobre o 6 de Janeiro. Inclusive deputados.
A anistia é apenas o primeiro passo para que, depois, uma revanche seja conduzida. A vingança contra quem fez uma ofensiva para defender a democracia.
Trump explicou isso em sua campanha. Ele ameaçou usar o governo federal, inclusive as forças armadas, para perseguir quem ele chamou de “inimigos internos”. E ameaçou repetidamente com “sentenças de prisão de longo prazo” para aqueles “envolvidos em comportamento inescrupuloso”, incluindo agentes políticos, doadores e autoridades eleitas.
Nos EUA ou no Brasil, a busca por anistia para golpistas não é um ato humanitário. Mas uma estratégia para rescrever a história com o objetivo de apagar crimes e, assim, consolidar o poder.
Texto do jronalista Jamil Chade no site UOL