Todos os anos, escuto a Simone me perguntar: “Então é Natal e o que você fez?”. O Natal passou, mas o cansaço, ainda não. Além de trabalhar oito horas por dia (em alguns momentos bem mais), comprar brigas que não eram minhas, cuidar de quem não deveria, me envolver em situações que não me diziam respeito, perder a paciência, porque as coisas não saíram como havia planejado, eu refleti sobre o meu lugar no mundo.
Na condição de mulher, de trabalhadora, de filha, de tia, de amiga, de leitora fico me questionando o que tenho feito. Não se é o suficiente, já que há muitos anos aboli a fita métrica da minha vida. Mas se realmente preciso fazer algo. Existem momentos, como o típico mês de dezembro, que tais perguntas afloram dentro de mim.
Desde os quinze anos, eu trabalho (Menor Aprendiz). Fiz o Ensino Médio trabalhando. Fiz a graduação trabalhando. Fiz o mestrado trabalhando. Fiz o doutorado trabalhando e viajando (atualmente moro no Cariri e o doutorado foi em Fortaleza). Parece-me que “Trabalhar é minha sina”, dirá Zeca Baleiro.
Se tem uma frase mais clichê é a de que “O trabalho dignifica o homem”. É verdade que, pessoas como eu que não nasceram herdeiras, precisam trabalhar para garantir o seu sustento. Mas o trabalho vai muito além de colocar o alimento na mesa.
Dois pontos devem ser levados em consideração: o primeiro é o trabalho do cuidado desenvolvido pelas mulheres que, ao longo dos séculos, foi / é invisibilizado pela economia política, já que é uma atividade que não gera valores, mas que provoca a sobrecarga de trabalho acarretando consequências desastrosas.
Uma delas é, justamente, a falta de tempo para que o gênero feminino possa se dedicar a outras atividades, como ler e escrever. Como ter “Um texto todo seu”, tempo, dinheiro, disposição física e mental, para lembrar Virgínia Woolf, se estamos trabalhando fora de casa e cuidando dos que estão dentro dela?
O segundo ponto é a formação de uma sociedade cansada e individualista em decorrência do excesso de cobrança social para se viver uma existência de sucesso. Até outro dia, falava-se sobre relacionamentos tóxicos. Hoje, fala-se sobre positividade tóxica.
Sou de uma geração em que Roberto Carlos cantava “É proibido fumar”. O proibido desses novos tempos é trabalhar pouco, ficar triste, chorar ou se arrepender do que fez. É preciso pensar positivo independemente das pedras no meio do caminho. Afinal, tudo é aprendizado, em especial as experiências ruins ou traumatizantes.
Simone, respondendo sua pergunta: fiz menos do que gostaria por / para mim. Li quinze livros, mas poderia ter lido trinta. Saí para tomar café com as amigas bem menos do que senti vontade. Visitei pouquíssimas vezes minha mãe em Fortaleza. Fui ao cinema bem menos do que o aconselhável para prestigiar o cinema brasileiro. Deixei de participar de tantas atividades literárias que não seria capaz de enumerar, ou saiba, mas prefiro não fazê-lo para não amplificar minha ausência de alguns espaços. Não me demorei nas conversas de WhatsApp, tampouco frequentei a academia tanto quanto preciso. Chega-se a uma certa idade em que os exercícios físicos são vitais para preservar a saúde mental. Não assisti aos filmes e séries que me programei. Conversei muito pouco com o meu diário. Agora, me pergunto se não tinha o que escrever, ou se escreveria sobre a minha exaustão? Viajar, nem se fala.
Não pensem que foi um ano melancólico. Não, foi. Até para sentir desânimo é preciso tempo e disposição. E minha energia estava voltada à produtividade exigida pelo mundo capitalista.
Dei-me conta que tenho desaprendido a “linguagem com que os homens se comunicam” em um mundo que fala sobre empatia, mas não é empático, que banaliza o amor e as relações, que cultua os corpos e nos exige a perfeição.
Não sei de quem foi a ideia de dividir o ano em meses e as vidas em etapas fazendo que produzamos até a exaustão. Sei que tem dado certo, já que no geral estamos todos cansados e pensando: “E se eu tivesse feito isso?”.
Que fique registrado: fiz o que foi possível no tempo e nas condições que me foram dadas. Que em 2025, por mim / para mim eu faça o que eu não fiz no ano anterior.