Alguns extraem do couro roupas, sapatos e acessórios capazes de modelar um corpo e embelezar uma casa. Outros, manipulam o barro criando cerâmicas e louças que deixam os espaços mais aconchegantes e convidativos. Outros, ainda, valem-se das palavras capazes de nos transpassar. Quem são? Homens e Mulheres detentores de sabedoria popular, Mestres e Mestras da Cultura cujas habilidades enriquecem um país e o torna um lugar mais desenvolvido seja numa perspectiva política, econômica, especialmente, cultural.
Enquanto o poeta gauche da literatura brasileira, Carlos Drummond de Andrade, concebia o poeta como um “Lutador”, o Mestre/a Mestra da Cultura é um sujeito político e de resistência, que luta contra uma cultura hegemônica e elitista. Eles/Elas não precisam passar quatro anos (no mínimo) nos bancos das Universidades sendo vítimas de uma “educação bancária”, como eu que vos escrevo, para se apropriar do saber. São intelectuais orgânicos para lembrar o filósofo Antonio Gramsci.
Necessitei de uma graduação (quatro anos e meio), uma especialização (dois anos), um mestrado (dois anos) e um doutorado (quatro anos) para ter o direito de fazer minha inscrição em uma instituição de educação pública, Universidade, para concorrer ao cargo de docente, o que ainda não aconteceu.
É bem verdade que aprendi bastante nesses dez anos e meio sentada nos bancos acadêmicos. Mas, confesso que aprendi muito mais visitando os municípios (Banabuiú, Barro, Campos Sales, Missão Velha, Milagres, entre outros) para ministrar aulas de literatura para outros professores (as). A sensação que sentia é que existia um universo paralelo formado por gente com tantos outros conhecimentos e práticas de sala de aula que eu simplesmente ignorava.
Escutei e ainda escuto que os conhecimentos prévios dos estudantes é um dos pilares para fortalecer o processo ensino-aprendizagem. Na prática, de modo geral, o professor (a) chega em sala de aula com um roteiro pronto e fechado. Além disso, cita uma lista de livros paradidáticos que os estudantes terão que ler no decorrer do ano, criando um fosso entre o conteúdo e a leitura ensinada e as reais necessidades dos aprendentes. Não é de se estranhar que na última “Pesquisa Retratos da Leitura” (2024), houve uma redução de 6,7 milhões de leitores no país.
Voltando à visita aos municípios cearenses, no início fiquei impactada com todo aquele mundo que se abria à minha frente. Depois de sair da minha bolha, compreendi que para além do conhecimento científico, o conhecimento popular é um dos mais instigantes e proeminentes, nem sempre o mais valorizado.
O conhecimento emanado pelo povo, adquirido pelo acúmulo de experiência e pela prática da observação e da escuta, fortalece os laços sociais e afetivos de uma comunidade. Baseado em crenças, valores e práticas, o conhecimento popular é o elemento que forja os Mestres e Mestras da Cultura.
Todas essas linhas são para expressar meu estado de gratidão de ter participado, na condição de ouvinte, ao lado de Bruna Nergino (bolsista do projeto de cultura cadastrado na Pró-reitoria de Cultura, Procult/UFCA, Blog Literário: Nordestinados a Ler), Ludimilla Barreira (colunista do Blog Literário: Nordestinados a Ler), Isabela Correia (bolsista do projeto de pesquisa Mapeamento de produções de autoria feminina na região Nordeste no período de 2000 a 2024 – PRPI/UFCA) da “Roda de Oralidade”, uma das atividades do “Encontro Mestres dos Mundos”, promovido pelo Centro Cultural do Cariri, durante os dias 05, 06 e 07 de dezembro.
Tivemos a oportunidade de aprender sobre o trabalho desenvolvido para o fortalecimento da Cultura brasileira com a Mestra Fanca (Juazeiro do Norte), Mestre Pedro Coelho (Acopiara), Mestre Pádua de Queiroz (Baturité), Mestre Roberto Carlos de Lima Ribeiro (Beberibe), Mestre Zé Carneiro (Pacoti), Mestra Ana Maria (Tianguá), Mestra Josenir Lacerda (Crato) acompanhada do ator-brincante e cordelista Pedro Ernesto, entre outros. Mais do que isso: pudemos compreender suas trajetórias, suas dificuldades na labuta diária para existir e resistir em um país que poderia valorizar muito mais sua Cultura.
O município do Crato, por exemplo, considerado a “Capital da Cultura”, uma narrativa criada pela elite local, mas, na verdade, não destina nem 2% do orçamento para Cultura. Seus equipamentos culturais ou não funcionam, ou funcionam precariamente, como é o caso da Biblioteca Pública Municipal do Crato, Biblioteca Luiz Cruz, Teatro Municipal Salviano Arraes, Centro Cultural da RFFSA, Escola de Música Maestro Azul para citar alguns.
Considerados tesouros vivos desde o ano de 2003 pelo o Estado do Ceará, os Mestres e Mestras da Cultura, referências em saber(es), além de receberem um “Certificado de Notório Saber” pela Universidade Estadual do Ceará (UECE), precisam urgentemente de políticas públicas mais eficazes para fortalecer a Cultura desse diverso e desigual país.
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