“Ano passado eu morri, mas esse ano eu não morro”. O verso emblemático de Sujeito de Sorte, obra-prima do compositor Belchior, se tornou símbolo da torcida do Botafogo. Mas, na verdade, o cearense pegou emprestado esse trecho de outro artista nordestino.
Entenda
Uma faixa com os escritos estava estendida no estádio Nilton Santos, no jogo contra o São Paulo, no último domingo (8/12), que sacramentou o título nacional de 2024.
Não à toa. No ano passado o clube carioca viveu um dos maiores vexames da sua história, ao deixar o título certo do Brasileirão escapar nas últimas rodadas.
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Neste ano, porém, levou o Campeonato Brasileiro e uma inédita Copa Libertadores. A letra da música do artista cearense fez todo o sentido.
Na verdade, Belchior pegou emprestado esse trecho (que figura no antológico álbum Alucinação, de 1976) de outro artista nordestino, e sempre deixou isso bem claro nas entrevistas que dava.
“Essa frase é uma citação que Belchior faz do grande repentista Zé Limeira”, explicou à Gazeta o professor e historiador Luiz Antonio Simas – ele próprio torcedor do Botafogo.
Poeta do Absurdo
O verso original de Zé Limeira, um sujeito negro e analfabeto que encantou gerações no interior da Paraíba, foi composto no início do século 20 e é assim:
“Eu cantei lá no Recife
perto do Pronto Socorro:
ganhei duzentos mil-réis
comprei duzentos cachorro;
Morri no ano passado
mas esse ano eu não morro”
Os temas que abordavam os repentes e poesias de Zé Limeira eram considerados delirantes. Ele ficou conhecido por suas distorções históricas, poesias recheadas de surrealismo e nonsense. Assim como abusava de neologismos.
O povo não tardou a lhe colar um epíteto: O Poeta do Absurdo. Tornou-se uma lenda paraibana, exaltada em cordéis e livros.
“Esse verso de Zé Limeira não tem qualquer sentido mais profundo. É para não ter sentido, é delírio, é surrealismo. As pessoas buscam sentido, falam da metafísica da ressurreição, mas era só brincadeira e delírio mesmo”, afirmou ainda Simas.
“Aliás, a própria existência dos versos de Zé Limeira é duvidosa. Suspeita-se que [o escritor e jornalista] Orlando Tejo inventou, com outros repentistas, boa parte da obra do poeta”, completou o historiador.
Símbolo da juventude
A obra voltou a ganhar força quando Emicida fez, recentemente, uma nova releitura de Sujeito de Sorte, que contou com a participação das cantoras Pablo Vittar e Majur.
Além da torcida do Botafogo, a música se tornou símbolo de parte da juventude atual após mais de 40 anos da sua composição.
Ela é cantada como uma forma de crença em um futuro próximo melhor mesmo após um período duro.
“As canções têm esse mistério. Por que ‘Pra não dizer que não falei das flores’, do Geraldo Vandré, foi um símbolo? Porque as pessoas quiseram que aquelas palavras representassem o que elas estavam sentindo. Acredito que Sujeito de Sorte tenha esse mesmo apelo”, explicou o crítico Jotabê Medeiros, biógrafo de Belchior.
Com informações da Gazeta SP.