23 de novembro de 2024
Netflix adapta 'Cem Anos de Solidão' em série latina

Foto: Mauro González/Netflix)

Quando Gabriel García Márquez (1927-2014) lançou Cem Anos de Solidão, em 1967, um de seus objetivos confessos era de que a história fosse tão monumental e vertiginosa que desencorajasse qualquer tentativa de adaptação audiovisual. “Desejo que a comunicação com meus leitores seja direta, por meio das palavras, para que imaginem os personagens como quiserem — e não com o rosto emprestado de um ator na tela”, dizia ele. Em sua obra-prima, o futuro Nobel de Literatura narra uma trama que perpassa sete gerações e tem como pano de fundo a idílica Macondo. Nesse local no Caribe colombiano, situações insólitas, como uma chuva que cai sem parar por quatro anos, onze meses e dois dias, e fantasmas que retornam do Além porque não há nada para fazer lá, dividem espaço com ações bastante humanas, como a exploração de trabalhadores pela indústria bananeira ou uma guerra civil que devastou o país.

MESTRE - O escritor: ele não queria ver seu livro adaptado às telas
MESTRE - O escritor: ele não queria ver seu livro adaptado às telas (Ulf Andersen/Getty Images)

Em seu conjunto, enfim, o romance parece desafiar qualquer tentativa de síntese ou tradução visual — e o próprio Gabo recusou propostas polpudas para transformá-lo em filme. Verter em imagens a ficção do autor não se mostrava, realmente, uma boa ideia. O Amor nos Tempos do Cólera, primeira grande empreitada nos cinemas, de 2007, foi um fracasso de público e crítica, mesmo com elenco estrelado por Javier Bardem e a brasileira Fernanda Montenegro. Pois agora o poder de sedução (e de grana) do streaming está prestes a derrubar esse tabu literário. Dez anos após a morte do autor, a Netflix abraçou a audaciosa tarefa e, com anuência dos herdeiros, lança em 11 de dezembro uma suntuosa adaptação de Cem Anos de Solidão, sob a forma de uma minissérie de dezesseis episódios.

Totalmente falada em espanhol, filmada na Colômbia e com a maioria dos atores e da equipe nascida no país — exigências dos filhos de Gabo —, a produção é o passo mais ambicioso de um movimento de resgate das principais obras do realismo mágico, o estilo consagrado pelo escritor — não só na Colômbia, mas em toda a América Latina. A Netflix acaba de lançar também o filme Pedro Páramo, adaptação do clássico do mexicano Juan Rulfo. Obras que beberam da tendência com um apelo pop também pedem passagem. Na Max, estreou recentemente a série Como Água para Chocolate, com produção executiva de Salma Hayek, com um enredo que combina a revolução mexicana com erotismo e gastronomia. Por fim, a série A Casa dos Espíritos, que leva à TV o best-seller da chilena Isabel Allende, vai estrear ano que vem no Prime Video.

SUPERPRODUÇÃO - Bastidor das gravações: série conta com atores, locações e profissionais recrutados na Colômbia
SUPERPRODUÇÃO - Bastidor das gravações: série conta com atores, locações e profissionais recrutados na Colômbia (Mauro González/Netflix)

A obra de Gabo acompanha a saga dos primos José Arcadio Buendía e Úrsula Iguarán, que se casam e deixam sua cidade natal para fundar Macondo, “uma aldeia de vinte casas de barro e taquara, construídas à margem de um rio de águas diáfanas”, como descreve o autor. Com o passar dos anos, a família cresce, assim como a casa onde vivem e também a cidade. Por isso, os desafios em adaptar o livro foram além dos personagens, já que os cenários também são parte intrínseca da história. “Nosso maior medo era que a adaptação de um livro considerado intocável destruísse a imagem de Macondo que os leitores criaram em sua cabeça”, disse a VEJA a roteirista Natalia Santa. A estratégia, segundo ela, foi investir na pesquisa histórica e na construção de uma cidade cenográfica em tamanho real, em Alvarado, no departamento de Tolima, a cerca de 200 quilômetros de Bogotá. O local, distante de Aracataca, cidade natal de Gabo e inspiração para Macondo, foi escolhido, segundo a designer de produção Bárbara Enríquez, porque reunia todas as características de vegetação e clima e contava com infraestrutura para gravar.

As cores daquela Colômbia mágica descrita por Gabo são garantidas não só pela decisão de filmar no país: a troca dos efeitos visuais em computador por expedientes artesanais confere um charme peculiar à série. Ao todo, mais de 1 000 pessoas trabalharam na construção da cidade cenográfica e cerca de 80% dos objetos usados na casa dos Buendía vieram de antiquários colombianos. Também foram confeccionadas cerca de 20 000 peças de figurinos, como roupas, sapatos e chapéus. Até as plantas mereceram atenção especial, como o corredor das begônias, além da castanheira do pátio, substituída nas telas pela árvore camajón, típica da região.

CENÁRIO - Árvore do pátio: atenção aos detalhes do casarão dos Buendía
CENÁRIO - Árvore do pátio: atenção aos detalhes do casarão dos Buendía (Mauro González/Netflix)

A aposta da Netflix em Cem Anos de Solidão ilumina outro fenômeno notável: nos últimos anos, a produção audiovisual colombiana deu um tremendo salto de qualidade. O país tornou-se um polo forte de produções para o streaming, como o filme Pimpinero: Sangue e Gasolina, do Prime Video, e séries da própria Net­flix, como Bolívar, sobre o herói nacional que liderou movimentos de independência na região, e a adolescente Sempre Bruxa, ambientada em Cartagena das Índias. Pelo visto, a viagem mágica pela América Latina está só começando.

Com informações de VEJA.

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