21 de novembro de 2024
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Minha leitura do mês de agosto foi Chuva Secreta (2013), da escritora e professora baiana, Állex Leilla. O maior mérito dessa obra são os não ditos, ou seja, são as lacunas deixadas pela autora para que o leitor possa completá-las, afinal, para Leilla um bom leitor é “Aquele que tem consciência de que é um coautor”.

Partindo dessa premissa de que um texto é um tecido incompleto, destaco o último conto dessa obra, “Epiceno”, que traz um protagonista (sem nome), que não se sente homem nem mulher, mas um ser humano epiceno, que tem um relacionamento amoroso com um poeta profissional.

Mas o que é, o que faz um “poeta profissional”? O que o difere de mim, por exemplo, que escrevo poesia? O poeta profissional é aquele que, para além de escrever poesia, vende-a para revistas, jornais, ou qualquer outra instituição, para que possa sobreviver, ou seja, é um profissional como tantos outros que trabalha para garantir o seu sustento.

Embora o cerne do conto, esse poema escrito em prosa, seja esse ser humano epiceno, destaco o exercício metalinguístico do “poeta profissional” acerca dos próprios poetas: “Todos com dificuldade de sobrevivência, reconhecimento e distribuição”. Na verdade, essa é uma temática pouco discutida nos eventos literários, já que o público, em sua grande maioria, deseja saber: “aquela poesia foi feita pensando em quem?”, “Quando você deseja a morte, você está querendo praticar suicídio?”.

Talvez por isso, a personagem do conto “Epiceno” diga que vai participar de uma “espécie de congresso”, em que “tontos” (poetas) falarão “tontices” para outros “tontos” (poetas), ou pseudopoetas, quem sabe “meninas pseudo-leitoras”. As “tontices” são provavelmente a palavra exata escolhida pelo poeta, quantos versos ele se utilizou em determinado texto, por que escolheu o terceto e não o quarteto. Em contrapartida, ainda seria preciso escutar: “Tua poesia é importante para o mundo”, “Tua linguagem é única”, mas na verdade, ninguém fala do mais importante.

Ou seja, “Os pés inchados” do poeta, o “estômago fodido”, “a falta de comida em casa, do quão rato se vive” em busca de dinheiro para pagar as contas no fim do mês. É uma realidade cruel ser poeta neste país de não leitores, em que a poesia não se vende, logo, perde sua importância econômica. É a famosa lei da procura e da oferta.

Não podemos nos esquecer de que o poeta não é apenas um sujeito que produz arte; ele reflete sobre o que produz e por que produz, qual o seu papel diante do contexto histórico e, acima de tudo, contesta os valores e padrões vigentes

Infelizmente, em nosso século, a poesia continua a perder espaço nas escolas, na Universidade, nas revistas, nos jornais, nas bibliotecas, nas livrarias. Muitos professores/professoras não adotam livros de poesia, porque alegam que ela é de difícil compreensão.

Há quem responsabilize os próprios poetas, alegando que eles “escrevem difícil”. Há aqueles que afirmam que os poetas são um bando de narcisistas, que estão voltados para seus umbigos e esquecem-se do que realmente está acontecendo no mundo.

Diante dessa realidade de aparência que permeia o universo poético, a personagem leilliana questiona: “Que sentido havia então na insanidade daqueles congressos?”. Reconheço, enquanto pesquisadora de poesia (mestrado e doutorado), o difícil propósito de se manter firme escrevendo poesias, quando “A TV local vai embora, o suplemento literário encerra suas perguntas, o secretário municipal de cultura pedia para posar com ele [poeta] na última foto…” A poesia moderna foi compelida à estranheza e ao silêncio, nos dirá o crítico Alfredo Bosi.

A vida é mesmo um teatro e nós estamos atuando a todo instante. A grande questão é: o que sobra quando se fecham as cortinas? É você com você mesmo, trabalhando oito horas por dia em um emprego que não te representa, mas que paga as contas; com seus bloqueios criativos; suas dores físicas e espirituais; suas estratégias para ser reconhecido pelo público e pela crítica especializada.

Em um sistema egoísta como o capitalismo, que valoriza o lucro, que intensifica as desigualdades sociais, amplia o consumismo, explora os recursos naturais acreditando que são infinitos, mais do que nunca, é preciso escrever, consumir e ser consumido pela poesia.

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