22 de novembro de 2024
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Imagino que a adaptação de obras literárias para o cinema deva ser ao mesmo tempo uma tarefa fascinante, mas complexa e assustadora. Afinal, a narrativa escrita não cabe na narrativa visual.

O certo é que o cinema influencia a literatura, assim como a literatura influencia o cinema.  Ambas, como seu poder de contar histórias, têm a capacidade de aproximar o leitor, ou o espectador dos grandes temas humanos.

Via de regra, há aqueles que prefiram uma adaptação fiel à obra como é o meu caso; outros que preferem que o livro seja transformado livremente em uma terceira narrativa.

Digo isso porque domingo passado, fui ao cinema ver o best-seller da escritora Collin Hoover – É assim que acaba – depois de muito escutar: “o filme é bom para quem não leu o livro?”

E para quem, como eu, que leu o livro? Por se tratar de uma narrativa cinematográfica quase igual ao texto original, confesso: não é de todo ruim.

A obra literária mostra de forma mais enfática que as personagens Lily, Ryle e Atlas carregam traumas que influenciam seus caminhos e escolhas na vida adulta.

Na grande tela, os conflitos internos das três personagens como em um passe de mágica praticamente desapareceram, embora seja possível ver, por meio de flash back, a relação entre Lily e Atlas na adolescência, assim como a violência sofrida pela mãe dela.

A escolha da atriz Blacke Lively para dar vida a florista Lily Bloom foi acertada Já Justin Baldoni para interpretar o neurocirurgião Ryle não me convenceu. Mas afinal, ele é o diretor do filme.  Fico aqui pensando qual o motivo que levou o diretor a se escolher como ator. Palpites?.

Também não gostei da escolha de Alex Neustae para viver o personagem Atlas. Embora Baldoni e Neustae sejam lindos e bons atores, a imagem primeira que tenho deles é, ainda, a do livro.

O longa com 2 horas e 10 minutos é uma história romântica, leve, capaz de fazer os românticos suspirarem, lamentarem e se questionarem: como é que o Ryle conseguiu estragar tudo?

Minha sensação é que os espectadores, que não tiveram acesso ao livro, saíram do cinema sem saber de fato que estavam diante de uma história densa/tensa e abominável: a violência contra a mulher, um fenômeno deplorável que se manifesta em todo o mundo, nas mais diferentes classes sociais e que contribui para manter o machismo estrutural da sociedade.

Li que Baldoni teria dito em entrevistas durante o processo de filmagem do livro, que se preocupou em ler roteiros apaixonados da autora, Colleen Hoover, que já escreveu thrillers psicológicos, para garantir fidelidade.

Não acredito que pensar em agradar o espectador deva ser o motivo primeiro/principal de um cineasta, mas escolher sob qual ângulo a narrativa será contada: de forma leve?, de forma romântica?, de forma fragmentada?, de forma aprazível?, de forma questionadora?.

O cinema tem uma abrangência maior do que a literatura, na medida em que atinge um público maior, não exclui pessoas analfabetas, já que a história é contada por meio das imagens e dos sons. Por isso, a adaptação de uma obra que traga à baila o relacionamento tóxico entre homem e mulher deveria possibilitar ao espectador sair do cinema, minimamente, refletindo: o amor é um sentimento grandioso, nele não cabe nenhum tipo de violência.

Mais do que entretenimento, a arte é subversão, reflexão. Mais do que gerar boas emoções, ela pode/deve gerar repulsa diante das mazelas sociais. O espectador, ao olhar para a grande tela, pode/deve pensar: sou melhor do que vejo.

Por Luciana Bessa na coluna Nordestinados a Ler