A professora Sued Carvalho uma mulher trans é pré-candidata do partido Unidade Popular à Prefeitura de Juazeiro do Norte. Numa entrevista exclusiva ao jornal Leia Sempre Brasil ela avalia os governos de Glêdson Bezerra, do presidente Lula e do governador Elmano de Freitas. Fala de suas ideias para a terra do Padre Cícero e sobre as esquerdas e os movimentos sociais.
Sued Carvalho por que a UP lança uma pré-candidata à prefeitura de Juazeiro do Norte?
Na nossa avaliação as eleições se tornaram inócuas, raramente se veem propostas de transformação profunda da nossa cidade, assim como nenhum dos candidatos que se apresentaram nos últimos pleitos se comprometem a se manter próximos dos movimentos sociais de nossa cidade, cujas pautas raramente são ouvidas. A Unidade Popular, nacionalmente, representa um grupo de pessoas que já não suportam o fato de as eleições terem virado verdadeiros geradores de lero-lero que não levam a lugar nenhum. Somos trabalhadores e trabalhadoras e queremos participar e pautar. Minha pré-candidatura representa isso. Além do mais nosso Estado é o que mais mata mulheres trans e travestis no Brasil, nas eleições nos prometem mundos e fundos, mas nada é feito e continuamos sem acesso pleno aos direitos mais básicos. Cansamos de pedir que outros nos representem, queremos pautar!
Quais as alianças que vocês acreditam ser possível formar ou a UP sai mesmo sozinha nessa disputa?
A Unidade Popular nunca está sozinha, afinal foi construída por diversos movimentos sociais que apoiarão nossas candidaturas nacionalmente, assim como estamos em conversa com movimentos sociais locais. O apoio desses movimentos é, para nós, tão importante quanto o de outros partidos, embora, claro, nunca fechemos as portas à essa possibilidade.
Qual leitura você faz do Governo Gledson Bezerra?
Um governo que não teve como prioridade as maiores emergências do povo de Juazeiro do Norte, não houve foco na questão da moradia, o Restaurante Popular só foi reformado após pressão popular da Frente Juazeiro sem Fome, nada fez em relação ao transporte público, além de diversos ataques ao funcionalismo público, com o qual Gledson, diga-se de passagem, tem péssimas relações. Fomos oposição ao governo Gledson desde o dia 01 de seu governo e assim continuamos. Nas redes sociais é tudo maravilhoso, mas rede social não enche barriga.
Qual sua opinião sobre o governo Lula?
Nós apoiamos o Governo Lula no segundo turno em 2022 para derrotar Bolsonaro, porém nunca tivemos qualquer ilusão, pois teríamos nos frustrado. O governo Lula, infelizmente, abandonou sua base popular, não a chama para fortalecer sua administração que está estagnada, tentando encontrar meios termos impossíveis entre os interesses dos bilionários e dos trabalhadores. Essa forma de fazer política, baseada em acordos de gabinete, foi o que levou à queda da presidenta Dilma em 2016 e, infelizmente, Lula repete os mesmos erros. Esses compromissos estão custando caro ao governo, foi em nome do arcabouço fiscal que o MEC dificultou as negociações com os técnicos administrativos das universidades e com os professores. Em vez de apoiar a movimentação popular como uma forma de derrotar de vez o teto de gastos, o governo quis colocar panos quentes e, de recuo em recuo, o governo só mostra serviço aos banqueiros.
Qual sua avaliação sobre o governo de Elmano de Freitas?
O governo Elmano é decepcionante! Um governador que saiu do movimento social perseguir sindicatos é chocante, absurdo e hipócrita. Veja, durante a greve dos professores das Universidades Estaduais, Elmano não apenas processou os Sindicatos, como Sindurca e Siduece, mas também seus representantes. Quer uma política mais antitrabalhador do que essa? Durante a vinda do presidente Lula meses atrás, a polícia tirou cartazes das mãos de manifestantes durante o evento. Elmano sabe as dificuldades do movimento social, mas escolheu conscientemente reprimí-los, jogando fora sua história. Já vai um ano e meio de governo e nada de substancial foi feito. É isso que acontece quando você joga sua base fora em nome de acordos de gabinete, se torna inócuo e sem propostas reais.
Quais suas principais ideias para Juazeiro do Norte?
Nós da Unidade Popular já criamos um programa, porém não posso me aprofundar neles devido às leis contra propaganda eleitoral antecipada, contudo nossas maiores denúncias são a debilidade na socialização do trabalho doméstico em Juazeiro do Norte, faltam creches para que as mães possam trabalhar tranquilas, assim como o direito à cidade é restrito, o transporte público é focado exclusivamente no lucro e quem sofre é o povo, que espera horas em paradas de ônibus para andar em veículos lotados que não cobrem todo o território, a saúde é também um problema grave, pois faltam médicos nos postos e é uma dificuldade imensa para marcar exames e se você for uma mulher trans ou travesti piora, pois não temos ambulatórios especializados nas nossas condições específicas. Essas questões são as principais pautas de nossa campanha, temos estratégias para resolver esses problemas, porém se falasse agora configuraria campanha eleitoral antecipada.
O que você pretende dialogar com a sociedade durante o período eleitoral?
Eu sou trabalhadora, pego ônibus, sou usuária do SUS, moro de aluguel e pago expediente e sinto na pele as dificuldades do povo trabalhador, assim como sou uma mulher trans e sei bem como em nossa cidade falta de tudo para tornar nossa vida mais fácil, nesse que, repito, é o Estado que mais mata mulheres trans e travestis no Brasil. Nós sabemos quais são os problemas, pois não saímos do ar-condicionado de dois em dois anos para pedir voto apenas e iremos focar nas nossas maiores dificuldades e como, muitas vezes, esses problemas que poderiam ser resolvidos não são pelo fato de alguém estar lucrando com eles. Chega de Juazeiro para os ricos. Não queremos depender de clínica privada, pois 48% de nosso povo vive com até um salário mínimo, queremos saúde pública que funcione, queremos que transporte público seja tratado como direito e não como negócio. Não queremos uma cidade que pertença à especulação imobiliária, queremos morar bem e barato. Queremos creches para nossas crianças e mostrar para as mães trabalhadoras que não estão abandonadas e isso é o que a classe trabalhadora de nosso município quer. Eu não sou a pré-candidata de todos, sou a pré-candidata da classe trabalhadora, os ricos já tem seus pré-candidatos, muito bem pagos, inclusive.
Temas como educação, saúde e assistência social serão tratados como em uma eventual gestão sua?
Como não posso fazer propostas detalhadas, irei apenas esboçar alguns princípios. Na nossa concepção democratizar é aproximar das pessoas, portanto nosso foco é sempre em expandir o investimento público, somos contra saúde sendo tratada como negócio, pois com a vida das pessoas não se brinca, dito isso nós lutamos pela expansão do SUS e pelo estabelecimento de estratégias de saúde preventiva para impedir que doenças simples se espalhem, podendo assim dar mais peso ao financiamento de especialidades e cuidados mais complexos. No campo da educação nós somos pelo empoderamento da comunidade escolar, queremos chamar a categoria para pensar junto políticas públicas, formação continuada e desenvolver uma educação pública realmente integral, que perceba a criança e adolescente como multifacetado. Quanto a assistência social, para nós esse é um tema que não pode ser tratado de forma leviana, é preciso elevar esse debate. Assistência social de verdade para nós não é apenas dar comida e auxiliar com algum dinheiro, mas sim democratizar de verdade o acesso aos serviços públicos e garantir efetivamente os direitos básicos.
Como fazer isso, então?
Por exemplo, os movimentos sociais que formam a UP têm experiência com organizações de mutirões de construção de casas populares em todo o Brasil e achamos que é necessário garantir casa à população, engajando e auxiliando à própria comunidade no planejamento e construção de suas casas. O primeiro passo para tirar as pessoas da rua e das drogas é garantir casa, um teto sob o qual dormir, um lugar para o qual voltar depois de um dia difícil. Para nós assistência social não é caridade. Não estamos nem aí para a preocupação dos especuladores imobiliários com o barateamento dos imóveis, não queremos representar eles e sim a população mais vulnerável.
O que você nos diz dos problemas habitacionais, o desemprego e o transporte público em Juazeiro? Você tem quais propostas para esses segmentos?
A questão do desemprego é mais profunda e nacional, é bastante difícil para qualquer prefeitura, nos limites de um município lidar com isso sozinha, principalmente após a reforma trabalhista do golpista Michel Temer, porém somos defensores das frentes de trabalho, de expandir as obras públicas para fomentar o emprego localmente. Sobre a moradia é importante dizer que a alta dos aluguéis em nossa cidade é um problema sério que ninguém enfrenta, a especulação imobiliária é poderosa e quer é isso mesmo, tornar mais caros os aluguéis e imóveis, as gestões anteriores estão ao lado desses empresários e, para nós, o que interessa é garantir o direito à moradia das pessoas. Nós defendemos uma fiscalização rígida dos prédios sem função social, assim como sua expropriação e entrega aos movimentos sociais de moradia para que, com auxílio do poder público, possam distribuí-los às pessoas carentes e não ligamos se vai ou não agradar empresário X ou Y. Transporte público aqui é a mesma coisa, sempre foi um problema, é tratado como negócio, não como garantia de direito, nós defendemos a estatização do transporte público, o passe livre parcial ou total dependendo da conjuntura local e a participação da população nas decisões, inclusive, conseguimos colocar na lei do passe livre de 2022, aprovada e nunca implementada, um artigo que previa a criação de um conselho municipal de transportes, mas vetado pelo atual prefeito Gledson Bezerra.
A sua pré-candidatura é para valer ou você pode desistir por algum motivo?
Só saio se for indeferida, cansei de lero-lero, quero política de verdade e discutir temas realmente relevantes. Chega de lenga lenga escrita por marqueteiro e de pedir benção para empresário. Uma candidatura de esquerda de verdade em 2024 na nossa cidade é urgente.
Do ponto de vista do relacionamento político, como você pensa em uma gestão sua se relacionar com a Câmara Municipal e os movimentos sociais?
Caso tenhamos sucesso na candidatura e sejamos eleitos, os vereadores que acreditarem em uma Juazeiro popular, para os trabalhadores, construirão esse projeto conosco, naturalmente, porém, a UP não acredita em política feita com portas fechadas, somos socialistas e defendemos manter o povo engajado, chamando a lutar conosco por melhorias. A única base confiável da esquerda é a classe trabalhadora, só a rua consegue dar força material à nossa proposta, que é perniciosa aos interesses de quem ganha com as coisas se mantendo como estão.
Porque a UP não propõe aliança com outras legendas tidas de esquerda como PT, Psol e PC do B?
Propomos sempre e não seríamos resistentes a apoiar uma candidatura de esquerda de qualquer um desses partidos, desde que aceitassem nossas principais pautas, porém em Juazeiro do Norte, especificamente, algumas dessas organizações escolheram se aproximar de figuras com as quais as propostas da esquerda são incompatíveis e sacrificar seu programa, portanto manteremos nossa pré-candidatura e, posteriormente, candidatura firme para termos possibilidade de defender as pautas socialistas na região sem melindre na majoritária. Em outros municípios estaremos construindo candidaturas de lutadores sociais de outros partidos, contudo Juazeiro não oferece esse cenário em 2024.
Sued você faz parte um partido de esquerda e considerado pequeno. Como você pretende romper esse isolamento da UP numa campanha eleitoral tão intensa como a de Juazeiro do Norte?
Nosso partido foi fundado em 2019 e é bem recente, porém, cresce exponencialmente, tendo em 2023, segundo dados do TSE, crescido em mais de 600%. Mais e mais pessoas estão cansadas dessa política mofada, percebendo que pedir benção dos bilionários não é a saída para a crise que vivemos. Nós nunca saímos das ruas, somos conhecidos por tocar diversas lutas no município e temos muita experiência com agitação nas ruas e praças, usaremos isso a nosso favor, iremos para o corpo a corpo na rua, olhar no olho das pessoas todos os dias, assim como nas redes sociais temos bastante alcance e grande entrada em os jovens, nossos movimentos de juventude são fortes nas principais escolas e universidades da região e temos isso a nosso favor.