Kim Jiyoung, nascida em 1982, da escritora coreana Cho Nam-Joo é uma obra relativamente curta (172 páginas), mas extensa de situações revoltantes que envolvem a mulher. O livro é um presente da amiga Shirley Pinheiro, depois de me ouvir dizer: “ainda não li nenhuma escritora asiática”.
A obra encontra-se dividida em cinco partes permitindo-nos que conheçamos a protagonista desde o seu nascimento até 2016, ano em que ela foi diagnosticada com depressão pós-parto, que progrediu para depressão materna, fazendo com que precisasse de duas sessões semanais de quarenta e cinco minutos com um psiquiatra.
Ser mulher, “especialmente uma mãe, na Coreia” é uma jornada de violências que começa com o próprio fato de nascer mulher em um país favorável ao aborto, não por respeitar a decisão da mulher em querer ou não ser mãe, mas “para manter o crescimento populacional sob controle”, passa pelo abandono da carreira e desemboca no comprometimento da saúde mental feminina.
Na primeira parte da narrativa – “Outono de 2015” – conhecemos Kim Jiyoung, uma mulher de trinta e três ou trinta e quatro na idade coreana, casada há três anos com Jung Daehyun, com uma filha de um ano e apresentando um “comportamento incomum”.
Em seguida, “Infância, 1982-1994”, começamos a conhecê-la mais detalhadamente: nascida em primeiro de abril de 1982 em Seul, segunda filha de um funcionário público e uma dona de casa (Oh Misook), foi recebida no mundo com as lágrimas da mãe e um pedido de desculpas: “Sinto muito, garotinha”. A sogra (Koh Boonsoon), assim como fez com a primeira neta, disse: “Tudo bem. O terceiro vai ser um menino”. Nessa época, acreditava-se que eram os homens a levar prosperidade para a família. Cabia às mulheres sustentar os irmãos homens. Essa e outras informações aparecem, no decorrer da narrativa, referenciadas em notas de rodapé para dar mais legitimidade à ficção.
Na terceira parte, “Adolescência, 1995-2000”, Kim Jiyoung chega em uma escola típica coreana: “simples, decadente e pública”. Regras duras para as meninas, flexíveis para os meninos. A elas era obrigatório o uso da “segunda pele de gola redonda por baixo” da blusa. “Nada de tênis, apenas sapatos sociais”, do inverno ao verão. Caso violassem a regra, a aluna teria que dar “voltas no campo da escola em posição de agachamento” segurando a barra da saia para não mostrar a calcinha.
“Início da vida adulta, 2001-2014” encontramos Kim Jiyoung na faculdade. Arranjou o primeiro namorado, assistiu o seu primeiro jogo de beisebol e de futebol, ingressou no clube de trilhas, cujo presidente, vice e secretário eram homens e ainda precisou escutar que só o fato de existirem mulheres naquele ambiente já era o bastante. Inicia a saga pelo primeiro emprego, mas descobriu ser ainda mais difícil do que pensara, pois os homens tornavam “a permanência delas impossível” no mundo corporativo. Depois de muito penar, conseguiu ser admitida em uma empresa de marketing e prometeu a si que tornaria aquela fase menos “desafiadora, desmoralizante e exaustiva”.
Na penúltima parte, “Casamento, 2012 – 2015”, casa-se com Jung Daehyun, momento em que o hoju (sistema em que as crianças têm que ser registradas com o sobrenome do pai) já havia sido abolido desde 2008 e as famílias decidiam se seus filhos receberiam o sobrenome da mãe ou do pai. Para evitar explicações e bullying, Jiyoung optou que seu filho(a) não teria o seu nome. Ela se deu conta que as leis e as instituições influenciam os valores familiares. No primeiro evento familiar após o casamento, as cobranças pela gravidez. Quando pensou em engravidar viu que arriscaria sua “juventude” e “saúde”, seus “colegas”, sua “vida social”, seus “planos de carreira” e seu “futuro”. Teve medo por isso. Mas engravidou. Nasce Jung Jiwon e com um ano já foi para uma creche. (Nessa época as mães eram censuradas por deixar seus filhos com outras pessoas). Ao escutar ser uma “mãe parasita”, Kim Jiyoung não suporta se transforma em outras mulheres, algumas “vivas” e outras “mortas”.
Kim Jiyoung, nascida em 1982 é uma obra que nos faz refletir sobre a injusta e dura caminhada da mulher em uma sociedade feita por homens para homens.
Texto de Luciana Bessa
Coluna Nordestinados a Ler
Jornal Leia Sempre Brasil