24 de novembro de 2024

A violência contra imigrantes é um fenômeno em crescimento na Irlanda e três brasileiros foram vítimas recentes dessa onda, em casos que ocorreram em Limerick, a terceira maior cidade da ilha, com cerca de 200 mil habitantes, há 200 quilômetros da capital, Dublin.

Os casos de ataques contra brasileiro têm sido recorrentes no país. Para chamar a atenção das autoridades locais sobre o problema, um grupo realizou um protesto pacífico pelas ruas centrais de Limerick neste domingo (21/4). A mobilização, que foi embalada por gritos de “xenofobia has to go” (ou “xenofobia tem que acabar”), ganhou apoio da comunidade e de políticos locais.

Uma das vítimas dos ataques é Roberto Gomes dos Santos Júnior, 33 anos, fluminense nascido em Duque de Caxias. Ele estava presente na manifestação, com uma bandeira brasileira, muito emocionado. “É dessa solidariedade que estou tirando força”, afirmou ele ao final da passeata, quando recebeu o abraço de pessoas de diversas nacionalidades.

Santos foi atacado quando voltava do trabalho, ao lado do irmão, no dia 13 de abril, por volta das 22h30, quando um homem branco, com cerca de 40 anos, usando uma jaqueta, perguntou de qual país eles eram. Assim que ele respondeu “Brasil”, o homem deu três passos à frente e sacou da jaqueta um instrumento de madeira semelhante a um taco de baseball pequeno, pintado de vermelho, acertando a testa de Santos.

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“Já passei por situações leves, com adolescentes irlandeses que jogam ovo e pedra na gente. Mas isso que houve agora foi um crime. A pancada que ele me deu foi pra matar. Foi muito rápido e muito forte. Pelo jeito que me bateu, ele já sabia manusear aquilo. Se eu tivesse perdido o sentido, ou meu irmão, sairíamos mortos dalí”, contou o brasileiro, cuja primeira reação foi se afastar e gritar para o irmão “corre, corre”.

Instantes depois da fuga, ele percebeu a testa jorrando sangue enquanto o agressor chutava diversas vezes a scooter do irmão, que eles levavam empurrando, por não comportar duas pessoas. “Eu só consegui dizer para o meu irmão: “cara, eu tô morrendo, me ajuda”. Imediatamente, seguiram para o condomínio onde moram e foram socorridos pelo proprietário do imóvel onde residem. Levado ao hospital, recebeu seis pontos no supercílio esquerdo.

Quem também estava presente na manifestação é Frederico de Lima Costa, 34 anos, que há 10 meses trocou Caetanópolis, no interior de Minas Gerais, pela cidade irlandesa, para aprender inglês. Costa também voltava do trabalho quando andava pela rua e recebeu um soco no rosto. A agressão foi filmada e publicada no Tik Tok. “Me senti violentado, ridicularizado com o vídeo. Só consegui assistir uma vez. Estou tendo acompanhamento psicológico. Já fazia terapia e agora tenho feito mais sessões”, contou o mineiro, que ainda não sabe se continuará no país. “Pretendia ficar os dois anos que são permitidos pela legislação, mas agora estou conversando com a minha família para decidir o que farei”.

O vídeo com a agressão a Frederico foi excluído pela rede social. Antes disso, ele fez printscream dos perfis envolvidos. Segundo ele, os próprios agressores fizeram comentários ridicularizando as vítimas.

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Outro brasileiro também aparece no mesmo vídeo, onde só um dos agressores aparece, um homem com cerca de 25 anos. Segundo Frederico Costa, mais dois adolescentes também o cercaram, ele correu, mas acabou sendo derrubado no chão por este mesmo homem. Foi quando Frederico começou a gritar por socorro em português e um brasileiro que passava na hora correu em defesa dele, o que acabou fazendo com que o grupo fosse embora. Todo o material coletado foi entregue para a Garda, a polícia local. Para sua surpresa, a ligação que recebeu da polícia na quinta-feira (18/04), comunicando que os suspeitos não foram localizados.

Fred, como é chamado, lembra que a decisão de ir para a Irlanda foi tomada após assistir aos diversos vídeos publicados por youtubers brasileiros que moram na ilha e que vendem intercâmbio. “As pessoas não falam abertamente sobre o que acontece. A gente só descobre quando chega aqui. Então, a gente quer expor isso pra que todos saibam qual é a realidade e pra que algo seja feito. Não dá mais pra ficar esperando que a polícia tome alguma atitude. Porque isso não acontece”, advertiu.

No caso de Roberto Santos, que desembarcou em dezembro de 2021, o agente de viagem no Brasil recomendou a ele trocar Dublin por Limerick, com o argumento de que seria uma cidade mais pacata e onde as despesas seriam menores. Ele também espera que o caso ganhe maior repercussão no Brasil para que um número maior de pessoas saiba sobre o que têm ocorrido com imigrantes.

“Espero que o governo brasileiro pressione o governo daqui por providências eficazes. Fui criado em comunidade no Rio de Janeiro e nunca me aconteceu algo assim. Eu quero ir embora o mais rápido possível. Não vou ficar para esperar a apuração do caso, porque essa pessoa está solta por aí. Caso seja localizado, deve responder em liberdade”, lamentou.

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Deborah Moreira
Roberto Gomes dos Santos Júnior foi agredido após dizer ser brasileiro
Histórico

Nos últimos anos, diversos casos de violência vêm sendo relatados por brasileiros, e imigrantes de outros países, principalmente por profissionais que atuam como entregadores de aplicativos. É comum ver relatos nas redes sociais, ou em conversas entre imigrantes, sobre furtos de motos e bicicletas, ou de pessoas que sofreram algum tipo de abordagem violenta, muitas delas cometidas por grupos de adolescentes.

A crise imobiliária no país, que fez o preço dos aluguéis disparar, somada à chegada de milhares de refugiados, têm gerado uma onda de críticas da opinião pública irlandesa contra a política imigratória, cuja principal demanda é uma limitação do fluxo de refugiados. O número de ucranianos refugiados, por exemplo, chegou a 100 mil, devido ao enorme contingente recebido desde 2022, após o início do conflito com a Rússia.

Alguns dos locais destinados a refugiados de países em guerra, também foram incendiados. Em janeiro passado, um grupo de manifestantes tentou impedir a entrada de dezenas de refugiados que foram acolhidos em um hotel que estava fechado, em Tipperary, há cerca de 2 horas de Dublin.

Antes disso, na noite de 23 de novembro, centenas de irlandeses depredaram lojas, incendiaram ônibus e bondes, agrediram policiais e perseguiram imigrantes pelas ruas, após um homem ter esfaqueado três crianças e um adulto na porta de uma escola.

Testemunhas afirmaram que o crime teria sido cometido por um imigrante, o que provocou uma onda de postagens criminalizando estrangeiros nas redes sociais e gerou o motim.

Na ocasião, 34 pessoas foram detidas. Fontes policiais informaram aos jornais irlandeses que 11 veículos da polícia foram danificados, além de três ônibus e um bonde que foram incendiados. Também houve relatos de 58 empresas danificadas. Três membros da polícia tiveram de ser hospitalizados, tendo um deles um dedo do pé decepado.

Desde então, a Garda intensificou o policiamento na cidade e diz ter ampliado o monitoramento nas redes sociais. A ministra da Justiça, Helen McEntee, chegou a acusar a rede social X (antigo Twitter) de não cooperar com as investigações policiais, o que foi negado pelo dono da plataforma, o bilionário Elon Musk.

O professor Luís Felipe Aires Magalhães, coordenador-adjunto do Observatório das Migrações no Estado de São Paulo, que faz parte do Núcleo de Estudo de Populações da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), afirma que “é preciso combater o discurso de ódio nas redes sociais e deter a possibilidade de que eles se transformem em ações. Do contrário, vamos continuar reféns dessa estratégia, que distorce a realidade. Antes que a verdade apareça, e até independente dela, cria-se uma narrativa onde os imigrantes são uma ameaça”.

Magalhães, que também é pesquisador do Observatório da Emigração Brasileira, explica a Opera Mundi que a xenofobia é um subproduto da estruturação das fronteiras. Desde quando existe fronteira e estado nacional moderno, existe um processo de criação de uma identidade nacional e a consequente discriminação daqueles que não têm a mesma cultura, idioma, crenças e valores. Para ele, essa dinâmica se tornou mais violenta por conta do fortalecimento da extrema direita, que se apropriou de forma eficaz de redes sociais que são um solo fértil para a construção de narrativas. Outro fator é o aprofundamento da crise econômica, com taxas de exploração aos trabalhadores cada vez maiores.

Além do combate às ideias ultradireitistas, o pesquisador afirma que um passo importante enfrentar a situação é a punição aos casos, e também a aposta em campanhas educativas nas escolas, ações de órgãos públicos para facilitar a comunicação e capacitação de agentes públicos para dar acolhimento, reconhecendo especificidades culturais.

Para o professor Igor José de Renó Machado, Titular do Departamento de Ciências Sociais da (Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e diretor do Laboratório de Estudos Migratórios (LEM), toda e qualquer ação será inócua se não combater o avanço da extrema direita. “É difícil pensar em combater a xenofobia sem lidar com os discursos de ódio produzidos pela extrema direita, que fomenta a xenofobia para a construção de narrativas e constituição de seus poderes”, frisa o acadêmico, em entrevista a Opera Mundi.

Deborah Moreira
Agressão a Frederico de Lima Costa foi filmada e postada numa rede social
Presença da extrema-direita

Uma ferramenta criada há um ano pela Fundação Rosa Luxemburgo, ligada ao Die Linke (partido alemão progressista), reúne uma série de dados sobre grupos, pessoas, partidos e eventos ligados a extrema direita local, na tentativa de monitorar o crescimento no continente.

Atualmente, segundo a organização Antifascista Europe, existem 624 focos em todo continente, sendo 241 grupos, 269 pessoas e 73 organizações ligadas à partidos políticos. Destes, 10 grupos, 3 organizações ligadas à partidos e 37 pessoas estão na ilha que comporta os territórios da Irlanda e da Irlanda do Norte.

Paul Murphy, parlamentar irlandês do partido People Before Profit-Solidarity (PBF, sigla em inglês para Pessoas Acima da Dinâmica Lucro-Solidariedade), também vê relação entre os fatos e o fortalecimento de grupos extremistas. “Acredito que os crimes ocorridos na noite de 23 de novembro foram resultado principalmente do incentivo que vem da extrema direita. Eles viram o terrível esfaqueamento de crianças como uma oportunidade de promover sua agenda de ódio e divisão na classe trabalhadora”.

Ele ressalta que as políticas neoliberais, principalmente de moradia, têm contribuído para a desigualdade no país e a proliferação das narrativas contra imigrantes. Também ressalta que o parlamento precisa enfrentar as ideias extremistas. “É necessário confrontar e expor a extrema direita, a partir da mobilização de sindicatos e comunidades. Por outro lado, temos que focar na busca de soluções para as crises de moradia, saúde e custo de vida”, declarou a Opera Mundi.

Deborah Moreira
Brasileiros marcharam pelo centro de Limerick
Mito da crise migratória na Europa

Segundo o especialista do Núcleo de Estudo de Populações da Unicamp, ao contrário do que é dito pelos extremistas nacionalistas, não existe uma crise migratória no continente europeu. “Se existe um fluxo desenfreado de pessoas, que causa insegurança, isso ocorre nos países vizinhos aos locais em conflitos, como nas regiões do Sudão, Nigéria e Angola, República Democrática do Congo e República do Congo”, observou.

O professor Aires Magalhães, Núcleo de Estudo de Populações da Unicamp, acrescenta que o que torna a situação da Europa uma crise é a incapacidade de acolher as pessoas e entregar direitos a elas, além da radicalização do discurso político em cada país. Ao estabelecer fronteiras bélicas, controles militares, prisões em alto mar e leis que resultam em condições de subcidadania, o continente acaba criando uma situação artificial. “Se existe uma crise, não é de mobilidade humana, mas sim do estado europeu em manter seus valores democráticos”, atestou.

Já Renó Machado, da UFScar, observa que uma parcela considerável das migrações ocorre de forma espontânea, não controlada. “São movimentos que não cabem ser avaliadas apenas em números. A quantidade de ucranianos no continente, por exemplo, é muito grande. No entanto, se fala em ajuda humanitária. São 100 mil na Irlanda. Se fossem 100 mil palestinos seria visto como uma invasão, por exemplo. Essas avaliações sobre o fluxo de imigrantes são sempre inerentes à questão política, aos estereótipos criados sobre as populações”.

O acadêmico mantém uma linha de pesquisa sobre o fluxo de brasileiros no exterior. Segundo ele, desde 2016, com a recessão econômica brasileira, observa-se um aumento no número de pessoas saindo do país, mas ainda subnotificado. Foi por isso que, no primeiro semestre de 2022, ele produziu um estudo sobre brasileiros na Irlanda, sob a ótica da lei imigratória local, que produz ambiguidades com seus diversos tipos de vistos concedidos.

O objetivo do trabalho (que pode ser lido na íntegra neste link) é demonstrar que cada tipo de visto estabelece uma dinâmica diferente, onde o imigrante torna-se mais ou menos visível para o Estado, mais ou menos sujeito de direitos. Sendo assim, as leis que regem a imigração acabam servindo como mecanismo de manipulação do regime econômico vigente.

Deborah Moreira
Organizações de Direitos Humanos apoiaram protesto de brasileiros

Publicado no site Opera Mundi