Cumpre destacar, por oportuno, que a proposta de pôr fim ao referido direito dos presos está entorpecida por uma equivocada fundamentação, consistente no suposto risco de colocar em liberdade, por períodos certos e determinados, aqueles presos que estão em regime semiaberto e ostentam bom comportamento carcerário, por conta de eventuais crimes que possam cometer em liberdade e o não regresso ao cárcere na data estabelecida pelo decreto de concessão.
Todavia, os dados oficiais são absolutamente diversos das informações lançadas na proposta de projeto de lei. Consoante se observa dos dados governamentais, a média de incidentes envolvendo egressos das saídas temporárias é de 5%.
O instituto da saída temporária permite que presos que cumprem pena em regime semiaberto tenham o direito de sair temporariamente do estabelecimento penal, sem vigilância direta, para visitar a família ou participar de cursos. Essas saídas são concedidas por um período máximo de 7 dias, podendo ocorrer até 5 vezes por ano, desde que o encarcerado apresente bom comportamento e cumpra outros requisitos previstos na Lei de Execução Penal.
Há que se ressaltar que a saída temporária tem como objetivo principal a reinserção social do preso. Acredita-se que, ao permitir que o detento mantenha ou restabeleça laços familiares e sociais, além de participar de atividades educacionais ou laborais externas, facilitara o processo de readaptação à vida em sociedade após o cumprimento da pena. Isso pode contribuir para a redução da reincidência criminal, uma vez que fortalece os vínculos do indivíduo com a comunidade e aumenta suas chances de conseguir emprego e educação.
A taxa de não regresso é baixa, indicando que a maioria dos presos que recebem o benefício da saída temporária retornam ao estabelecimento prisional no prazo estipulado. Os relatórios oficiais divulgados em anos anteriores indicam que as taxas de não regresso ficaram em torno de 5% ou menos do total de liberados. Em relação ao cometimento de crimes durante a saída temporária, o percentual é ainda mais baixo, chegando a índices menores do que 1%.
Não há dúvida de que os percentuais são extremamente baixos se considerarmos a realidade do cárcere, explico.
O Supremo Tribunal Federal (STF), ao analisar a ADPF 347, reconheceu o estado de coisas inconstitucional dos presídios brasileiro. A Corte Suprema, com base em dados concretos e provas robustas apresentada na inicial da referida ação, asseverou que as prisões brasileiras são desumanas e degradantes, na medida em que estão superlotadas e não oferecem, minimamente, uma vida digna ao encarcerado.
O Ministro Relator da ADPF n° 347/DF, Marco Aurélio Mello, reproduz a situação dantesca do sistema prisional brasileiro: “Os presídios e delegacias não oferecem, além de espaço, condições salubres mínimas. Segundo relatórios do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), os presídios não possuem instalações adequadas à existência humana. Estruturas hidráulicas, sanitárias e elétricas precárias e celas imundas, sem iluminação e ventilação representam perigo constante e risco à saúde, ante a exposição a agentes causadores de infecções diversas. As áreas de banho e sol dividem o espaço com esgotos abertos, nos quais escorrem urina e fezes. Os presos não têm acesso a água, para banho e hidratação, ou a alimentação de mínima qualidade, que, muitas vezes, chega a eles azeda ou estragada. Em alguns casos, comem com as mãos ou em sacos plásticos. Também não recebem material de higiene básica, como papel higiênico, escova de dentes ou, para as mulheres, absorvente íntimo”. (Brasil, STF, 2015).
Muitos vão dizer: “Os presos recebem o que merecem!”. Mas, obviamente, desconhecem a realidade dos estabelecimentos prisionais brasileiros, para dizerem um absurdo atroz como esse. Na vida como ela é, os presos vivem amontoados uns sobre os outros, dividem, por vezes, celas que caberiam 6 pessoas com 40 outros presos, com estruturas precárias de higiene, vasos sanitários que transbordam dejetos, baratas, ratos e os seres humanos enclausurados. A alimentação, por vezes, além de vencida e azeda, é acompanhada de cacos de vidro, esperma, asas de insetos etc. Portanto, não seria nada inesperado que os detentos, quando tivessem oportunidade de não regressarem, permanecessem fora dos presídios. No entanto, 95% daqueles que saem nas saídas temporárias voltam. São masoquistas? Não, são pessoas que pretendem cumprir suas penas e “pagar a dívida com a sociedade”.
O Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), órgão ligado ao Ministério da Justiça, aponta que a saída temporária é “imprescindível à execução penal” por impedir que condenados sejam colocados em liberdade sem um “período de experimentação”. E de fato é imprescindível.
Para o Conselho, órgão formado por profissionais da área jurídica, professores e representantes da sociedade civil, “Durante o período de concessão de liberdade por período restrito, a pessoa custodiada detém a oportunidade do convívio familiar e social, realizando atividades cotidianas distintas daquelas feitas em um ambiente de privação de liberdade, o que gera a sensação de pertencimento à sociedade e traz à tona, também, o esperado senso de responsabilidade daquele que está em saída temporária”.
Entretanto, sem qualquer fundamentação lógica, o Congresso Nacional quer por fim a esse importante instrumento de integração do preso à sociedade. Faz isso pautado em um discurso raso, sem embasamento empírico, para agradar a desinformada plateia, que quer, não se sabe porque, sangue jorrando das celas dos presídios brasileiros. Como se isso não ocorresse, constantemente, sem que fosse divulgado para os puritanos de plantão.
A solução, por óbvio, não está na extinção de direitos dos presos, e sim na melhora das condições de cumprimento das penas, bem como em uma discussão séria e concreta de desencarceramento. No Brasil, infelizmente, prende-se muito e desnecessariamente, razão pela qual o Congresso Nacional deveria se debruçar no sentido de estabelecer políticas de controle do encarceramento em massa, e não propor o seu recrudescimento. Esse, por sua vez, aumentará a pressão interna, gerando revolta entre os encarcerados que cumprem corretamente suas penas, agravando, ainda mais, o estado de coisas inconstitucional dos presídios brasileiros.
*Marcelo Aith é advogado criminalista. Mestre em Direito Penal pela PUC-SP. Latin Legum Magister (LL.M) em Direito Penal Econômico pelo Instituto Brasileiro de Ensino e Pesquisa – IDP. Especialista em Blanqueo de Capitales pela Universidade de Salamanca.