Quando o poeta mineiro, autor de Alguma Poesia, nasceu na década de 1930, ficou registrado no Poema de Sete Faces: “Quando Nasci, um anjo torto/desses que vivem na sombra/ disse: Vai, Carlos! Ser gauche na vida”.
Ao longo da História, à medida que nasciam, penso que esse mesmo anjo torto (ou um amigo dele, eu não sei), disse: Vai, mulheres! Ser cuidadora na vida.
Não satisfeito, o anjo torto, na tentativa de conceber mulheres “perfeitas”, ainda sentenciou: 1) Ficarás restrita ao ambiente doméstico; 2) Não frequentarás os bancos escolares; 3) Serás uma criatura frágil que terá no sexo oposto o seu protetor; 4) Casarás como forma de inserção social; 5) Gerarás filho para manter sua descendência; 6) Cuidarás de tudo e de todos: marido, filhos (filhos dos filhos), parentes, etc.
“Quando a gente gosta, é claro que a gente cuida”, já o disse o poeta Caetano Veloso. Quem não gosta de ser cuidado? Quem nunca precisou ou precisará de cuidados? O problema está no modo como isso vem sendo feito, já que desde que o mundo é mundo, o cuidado sempre foi uma tarefa inerente ao sexo feminino.
Uma Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (2022), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), as mulheres dedicam cerca de 21,3 horas semanais nas atividades domésticas e cuidados de pessoas, enquanto os homens dedicam 11,7 horas. Ou seja, as mulheres cuidam o dobro dos homens impossibilitando-as de desenvolverem outras atividades.
O cuidado, concebido como uma política pública, embora seja uma pauta do movimento feminista há décadas, só recentemente entrou na agenda governamental, já que é preciso discutir a divisão sexual do trabalho, pois enquanto os homens são preparados para assumir o espaço produtivo, as mulheres são preparadas para fazer o trabalho reprodutivo. Enquanto eles são reconhecidos, (bem)remunerados e aplaudidos pelo seu trabalho, as mulheres se veem distante de assumir cargos importantes dentro das grandes corporações/instituições públicas, recebem um salário menor do que o homem (mesmo desenvolvendo as mesmas funções) e, na maioria das vezes, são excluídas das grandes decisões finais dentro de projetos econômicos/políticos/sociais do país.
Discutir a questão é importante, porque não existe uma sociedade, uma pessoa que não precise de cuidado. É preciso não só uma distribuição justa do cuidado, mas, sobretudo, da valorização e da remuneração desse trabalho empreendido pela mulher.
Depois de muita discussão e luta, por exemplo, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) permitiu a inclusão do registro de licença-maternidade no curriculum lattes, afinal não é possível alcançar a igualdade de gênero se o currículo da mulher pesquisadora fica defasado durante o período da gestação e da licença maternidade, em que ela está seguindo os preceitos cristãos: “Sede férteis e multiplicai-vos!”, ou seja, gerando uma vida.
É sabido que as mulheres dentro ou fora do campo científico acarretam crescimento econômico, social e político para uma sociedade. Desse modo, precisamos preparar as gerações de hoje e as que estão por vir para não aceitarem a pecha de mera cuidadora. Parafraseando Monteiro Lobato quando diz: “Um país se faz de homens e livros”, digo: “Um país se faz de mulheres e do reconhecimento/valorização e remuneração de seu trabalho de cuidar”.
Texto da professora e escritora Luciana Bessa
Publicado no jornal Leia Sempre Brasil