20 de setembro de 2024

Esta matéria faz parte da série “Menores e Mais Curiosos Países do Mundo”, onde exploramos micronações, microestados e territórios únicos. Já abordamos a efêmera República de Minerva do Sul, os principados de Sealand e Mônaco o Reino de Tavolara e, continuaremos a explorar dezenas de outros destinos peculiares, que você poderá encontrar no Almanaque da Micropatriologia, que será lançado pelo Leiasempre em dezembro de 2023.

“Um Vislumbre de Anarquismo no Coração da Itália que Precedeu Marx”

No coração da Itália, próximo ao histórico enclave de San Marino, existe um pedaço de terra que um dia se tornou uma verdadeira utopia. A República de Cospaia, com sua notável história de mais de 400 anos, oferece um fascinante vislumbre de uma sociedade sem governo e sem propriedade privada, antecipando os ideais que mais tarde inspirariam Karl Marx e sua Associação Internacional dos Trabalhadores.

Em meados do século XV, uma pequena vila na região da Toscana, de alguma forma caiu no limbo jurídico entre os Estados Papais e a República de Florença. Na época, as fronteiras entre os dois Estados eram frequentemente disputadas e, em 1440, durante uma tentativa de demarcação, os cartógrafos cometeram um erro crítico. Eles erroneamente identificaram um corpo d’água chamado apenas de Rio como o marco divisório, mas havia dois rios na região. Um deles era o Rio verdadeiro, e o outro era um pequeno afluente chamado Rio Novo.

Esse erro de cartografia resultou em uma área de terra entre os dois corpos, que incluía a vila de Cospaia, sendo considerada sem dono, uma espécie de terra de ninguém. Com a ausência de uma autoridade clara que reivindicasse a área, os habitantes viram uma oportunidade única e decidiram declarar sua independência, criando uma república nesse vácuo de autoridade.

Um Microestado “Marxista” Antes do Seu Tempo

O que torna o microestado especialmente intrigante é a maneira como sua sociedade funcionava. Ela era baseada nos reais princípios do último estágio do marxismos, chamado de comunismo, onde não havia governo formal e a propriedade privada era praticamente inexistente. A terra e seus recursos eram comuns, e a comunidade tomava decisões coletivas por meio de assembleias.

A ausência de impostos, forças policiais e exército era evidente, e a administração da justiça era realizada pelos próprios cospaienses. A economia da região prosperou principalmente devido ao comércio de tabaco, uma commodity de grande interesse na Itália, embora sua produção fosse estritamente proibida. A singularidade de Cospaia residia no fato de que a região não estava sob a jurisdição de nenhum Estado, o que permitia que seus habitantes mantivessem uma economia próspera à margem da lei. A dependência desse produto era tão significativa que até hoje algumas variedades da planta carregam o nome do micropaís. Isso contribuiu para a riqueza da região e para sua autonomia em relação aos governos vizinhos.

O Fim de uma Utopia

Infelizmente, a existência independente não poderia durar para sempre. Em 1826, os Estados Papais e Toscana finalmente resolveram suas disputas territoriais, e Cospaia foi dividida entre eles. A autonomia e o sistema anarquista chegaram ao fim, muito antes de Karl Marx publicar “O Capital”, em 1867.

O Legado de Cospaia

Embora a república tenha desaparecido quase um século antes do marxista ser implantado da Rússia, seu experimento deixou uma marca indelével na história política e filosófica. Seus princípios de autogestão, igualdade e ausência de governo se assemelham notavelmente às ideias que Marx, no estágio comunista.

A República de Cospaia é um lembrete fascinante de como as ideias políticas e sociais podem surgir em lugares inesperados e desafiar as normas de sua época. Mesmo após sua extinção, o espírito da autogestão e da busca por um sistema mais justo continua a inspirar pensadores e ativistas em todo o mundo.