Uma nova pesquisa realizada no final de janeiro pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) mostra como profissionais de segurança pública encararam os atos golpistas de 8 de janeiro e a identificação de parte considerável desse público com as pautas colocadas por esses movimentos antidemocráticos.
Dos dados trazidos pelo levantamento — realizado com policiais militares, civis, federais, rodoviários federais, penais e guardas municipais entre os dias 24 e 27 de janeiro —, chama atenção o fato de que 19,4% concordam totalmente e outros 20,5% parcialmente com a afirmação de que “a invasão é condenável e não pode ser tolerada, mas as pautas defendidas pelos invasores eram legítimas e não atentam contra a democracia”. Outros 38,5% discordam totalmente e 13% discordam parcialmente.
Por outro lado, a pesquisa apontou ainda que pouco mais de 62% concordam total ou parcialmente que os policiais que facilitaram a ação dos golpistas devem ser punidos, contra 17,3% que discordam totalmente e 8,6% que discordam parcialmente.
Além disso, o levantamento revelou que quase 38% concordam totalmente que a conduta dos policiais designados para as linhas de proteção inicial dos prédios foi inadequada e sem o devido rigor para controle de distúrbios civis, enquanto 21% concordam parcialmente e 16% discordam totalmente.
Outro ponto trazido é que 26,6% concordam totalmente com o enunciado de que “a conduta da PMDF foi correta e o problema foi exclusivamente de comando político”, enquanto 24,6% concordam parcialmente; 22,4% discordam totalmente e 14,1% discordam parcialmente. Para mais de 75%, houve falha de planejamento e mais de 72% acreditam ter havido falha de comando.
O FBSP também perguntou se as forças de segurança pública estão contaminadas pelo discurso político e partidário, o que atrapalha as atividades-fim das polícias. Para tal questão, 39,9% disseram ter total concordância, enquanto 23% concordam parcialmente, frente a 18,4% que discordam totalmente e 12,9% discordam parcialmente.
Perigo nas tropas
Ao Portal Vermelho, Betina Barros, pesquisadora do FBSP, destacou que “esse resultado, de alguma forma, demonstra que esses policiais compreendem a gravidade da situação e entendem que houve mais do que um problema técnico; o que houve foi uma falha de comando político, uma dificuldade de controlar as tropas de modo a conter esses distúrbios”.
Por outro lado, explica, “mais de 60% deles, além de assumir que existe uma influência da política dentro das polícias no Brasil, compreendem que isso atrapalha as atividades, para as quais eles são designados pela Constituição, de controle da ordem pública. Isso mostra que os policiais estão compreendendo o que está acontecendo nesses últimos anos quanto à interferência política dentro das tropas”.
Betina alerta ainda para o fato de quase 40% enxergarem as reivindicações desses atos como legítimas e não atentatórias à democracia. “Isso, de fato, preocupa porque especialistas e parte da mídia mostraram como essas pautas, na verdade, buscavam desestabilizar a democracia, pedindo novas eleições, intervenção militar, recontagem de votos”.
Para ela, isso traz riscos graves à democracia “primeiramente porque esses policiais são os mesmos que estão atuando na contenção da população, nas abordagens, enfim, em todo o trabalho cotidiano que a polícia realiza”. Nesse sentido, diz, “quando a gente vê que existe uma adesão, mesmo que não seja majoritária ou mesmo que não seja de todas as polícias, a pautas antidemocráticas, isso com certeza se reflete em atuações mais autoritárias, que muitas vezes desrespeitam os direitos humanos, que não respondem a toda a legalidade estabelecida pela nossa legislação”.
Da mesma forma, ela vê com preocupação a forma como esses efetivos podem agir com relação a manifestações legítimas, de movimentos sociais, em contraposição ao que aconteceu no 8 de janeiro. “Na invasão às sedes dos Três Poderes, que atentou contra a democracia pedindo intervenção militar, aquelas pessoas estavam sendo protegidas pela polícia, elas foram escoltadas, vimos cenas lamentáveis de policiais filmando esses extremistas”, lembra. E completa: “a discricionaridade na forma de tratamento é algo que evidencia a adesão de parte dos policiais a pautas de extrema-direita, conservadoras, enfim, golpistas em último caso”.
Betina explica que desde 2020, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública vem identificando a bolsonarização de parte dos agentes da segurança. “Percebemos que essa é uma questão que vem crescendo e é algo bastante preocupante se a gente quer pensar um país com uma polícia democrática, que respeite a legislação”.
Em sua avaliação, a superação desse cenário passa, entre outras medidas, pela limitação à forma como esses agentes usam as redes sociais, se envolvem na política e na formação dada às forças de segurança. “A gente pode pensar, primeiro, numa regulamentação do uso das redes sociais por parte das polícias. Muitos as usam como forma de autopromoção. Às vezes a gente vê redes sociais de policiais que mostram abordagens, investigações e atividades cotidianas que podem acabar influenciando certa visão de mundo porque eles mostram não apenas o seu trabalho; às vezes junto disso vem uma ideologia que nem sempre é democrática, nem sempre é de respeito aos direitos humanos”.
Quanto aos policiais que tentam a carreira política, a pesquisadora defende que também haja mudanças em relação ao que ocorre hoje. “A legislação do país permite que o policial que se candidata, quando não é eleito, volte para corporação. Ele foi para uma campanha política, se envolveu com as pautas e com o universo da política de modo bem amplo e ele retorna para corporação obviamente contaminado por toda essa questão. Ao retornar à corporação, é muito fácil que essa pessoa vire um líder, alguém que possa conduzir os trabalhos nem sempre de forma completamente isenta. Esse é um outro ponto que precisa ser repensado pelo Legislativo e é algo bastante urgente que o Fórum já vem também apontando há algum tempo”.
Por fim, pontua, é preciso enfrentar questões estruturantes das polícias. Para ela, é necessalário que haja uma formação mais humana, não autoritária e não baseada em preceitos militares. “A polícia, de modo geral, tem ainda uma estrutura muito autoritária, uma herança (da ditadura) que, de alguma forma, acaba produzindo esse efeito de uma adesão mais forte ao bolsonarismo ou ao conservadorismo, enfim, a pautas da extrema-direita de modo geral”.
Publicado no portal Vermelho