Na obra Dores do Mundo (1958), o filosofo alemão Arthur Schopenhauer afirma que “Todo o desejo nasce duma necessidade, duma privação, duma dor”. Amar e ser amado é uma das premissas essenciais da existência humana. Tal premissa pode levar à tragicidade, já que nem todos sabem amar.
Sendo um sentimento sempre insatisfeito e exigente, o amor pede dentre tantas coisas, o sentimento da verdade, nada mais que a verdade. Quando isso não acontece, instaura-se o trágico, como na obra Helena (1876), de Machado de Assis.
A obra Helena (1876), dividida em 28 capítulos, faz duras críticas à sociedade de seu tempo, século XIX. Ela tem sido lida e relida como uma história romântica entre dois jovens, cujo final é a morte da heroína. Foi dito que seu autor não passava de um iniciante que deixara diversas lacunas no decorrer da narrativa. Ledo engano!
O aspecto trágico é um tema recorrente à obra do Bruxo do Cosme Velho, seja nos romances, como Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881), seja nos contos: Teoria do Medalhão (1881), O Alienista (1882), Singular Ocorrência (1884), etc.
Entende-se por trágico algo que tem “caráter funesto, sinistro, desventuroso”. É preciso esclarecer que tragédia é um gênero dramático da literatura que floresceu na Grécia, especialmente, em Atenas, cujas personagens mostram uma ação elevada que suscita terror e piedade, culminando por algum acontecimento funesto.
A vida de Helena é uma sucessão de dores. Filha de Ângela da Soledade e de Salvador, que se apaixonaram, mas o pai deste opôs-se ao casamento. Ele rapta a mulher amada e passam a viver juntos. Nasce Helena, “em dos momentos mais tristes” da vida do casal. Ou seja, ela é filha do sofrimento.
Contava Helena seis anos, quando o pai de Salvador adoece e manda chamá-lo para dar-lhe seu perdão. Ao retornar, tempos depois, descobre que Ângela vivia com o Conselheiro Vale, homem rico, em São Cristóvão. À menina, é dito que o pai biológico morrera. Mais uma dor a ser contabilizada para uma criança, que nem imaginava ser seu nascimento fruto da penúria: “Os primeiros caldos da mãe foram obtidos por favor de uma mulher da vizinhança”. Como se não bastasse, Helena é matriculada em um colégio como se fosse órfã de pais, e sua mãe, fazendo-se passar por tia, vai buscá-la aos sábados para ir para casa. Seis anos mais tarde, Salvador aparece em sua frente, mas sabendo não poder lhe dar uma vida digna, diz: “Teu pai é outro”.
Um ano depois desse encontro, a mãe morre. Quando tudo indicava que finalmente pai e filha ficariam juntos, ela se torna interna do colégio, já que ninguém sabia da existência de Salvador. Em seguida, morre o Conselheiro Vale. Na leitura de seu testamento, a família, Estácio, seu único filho e D. Úrsula, irmã solteira, descobrem uma filha “legítima” – Helena.
Como uma heroína trágica, Helena pensava: “Aceitando o reconhecimento, entendia que prejudicava direitos de terceiro…”. Salvador persuadiu a filha a aceitar o reconhecimento. Amava-a, mas não podia sustentá-la. Nota-se que a vida de Helena é um acúmulo de sofrimento. Sofrer é para Schopenhauer (1958), a regra: “Só a dor é positiva”.
Helena é recebida na nova família, só não contava se apaixonar pelo “irmão” Estácio, noivo de Eugênia, filha do Dr. Camargo, amigo fiel do Conselheiro, que sabia ser a moça filha de outro homem. Depois de tantos altos e baixos, a verdade vem à tona: Helena não é filha biológica do Conselheiro.
A família Vale perdoa Helena, pois sabe que toda aquela desventura é obra de Ângela, Salvador e do Conselheiro. No entanto, as consequências eram árduas demais para uma jovem de dezesseis anos e “Helena mal podia tolerar a situação”.
A morte é o único caminho para acabar com o sofrimento. Em Helena (1876), há um mundo injusto e desigual em que vivem Salvador e Helena; e outro, liberal, em que viviam o Conselheiro, Estácio, D. Úrsula, Dr. Camargo etc.
O romance trágico machadiano chega ao seu derradeiro ato com muitas baixas: pais e filha mortos; duas famílias destruídas, respectivamente: Ângela, Salvador e Helena; Conselheiro e Estácio.
O tom trágico é a tônica do romance Helena (1876). Nele vemos a dor, o sofrimento, o incesto, a vingança e a morte, além é claro, do destino, do infortúnio, da má sorte da adversidade agindo sobre as personagens. Nas palavras do poeta Carlos Drummond de Andrade: “no meio do caminho tinha uma pedra”. É preciso, pois, lutar!
Por Luciana Bessa, coluna Nordestinados a Ler
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